Imaginar futuros possíveis | Entrevista – Clébio Oliveira
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Imagem – Dieter Hardig
Depois de criar Transe para o Balé da Cidade de São Paulo e Crocodilos Debaixo da Cama para a Companhia de Dança de Diadema, em 2021, o coreógrafo brasileiro, radicado na Alemanha há mais de 15 anos, Clébio Oliveira, apresenta no Brasil corpo.onda, obra que ganha o palco do Sesc Pompeia, entre os dias 18 e 21 de julho (veja programação completa abaixo), com interpretação de Christine Ceconello e Zula Lemes, duas artistas brasileiras também radicadas no mesmo país.
Em sua essência, corpo.onda busca transcender o imediato, oferecendo uma reflexão sobre a condição humana e as interações entre mente, corpo e o ambiente que nos cerca, especialmente diante de possíveis catástrofes. A obra, concebida no período da pandemia, se tornou uma investigação alegórica que explora não apenas as complexidades da mente humana, mas também nossa resposta emocional e psicológica diante da adversidade. Toda a performance se transforma em um ritual próprio, alienado, visando a catarse e a purificação dos afetos da destruição para um estado de cura.
Para abordar mais sobre o processo de criação, o coreógrafo Clébio Oliveira conversou com o co-editor-chefe do Quarta Parede, Márcio Andrade.
Alguns dos motes em torno do espetáculo envolvem o exercício de lidar com situações extremas. Considerando o contexto pandêmico, como foi o processo de criação de corpo.onda?
O processo de criação de corpo.onda, à luz da pandemia, pode ser visto como um espelho da condição humana diante do caos e da incerteza. A pandemia nos forçou a confrontar a fragilidade da existência e a impermanência de nossas circunstâncias. Em meio a essa crise, a criação de corpo.onda emergiu como um rito de resistência e adaptação, onde o corpo não é apenas um veículo de expressão, mas um testemunho vivo da luta e da resiliência. Os intérpretes foram compelidos a internalizar o isolamento, transformando a solidão e a vulnerabilidade em matéria-prima para a performance, canalizando as angústias e as esperanças em ações e gestos que reverberam a profundidade do ser em tempos de adversidade.
Depois de encerrado esse período de isolamento social, quais foram as transformações temáticas e estilísticas que o espetáculo atravessou nesse reencontro com o presencial?
O reencontro com o presencial pós-isolamento social trouxe uma metamorfose fascinante para o espetáculo. A distância física imposta pelo isolamento deu lugar a uma redescoberta das potencialidades e da presença tangível do outro, refletindo-se na intensidade e vulnerabilidade dos movimentos, bem como na ressignificação da performance. Revisitar a obra após um período de distanciamento é sempre uma experiência enriquecedora, como se a peça precisasse de tempo para alcançar sua plenitude e maturidade.
Tematicamente, o espetáculo evoluiu para explorar não apenas a sobrevivência, mas também a regeneração, a busca por sentido e conexão em um mundo fragmentado. Estilisticamente, a performance tornou-se mais visceral, incorporando elementos de improvisação que capturam a espontaneidade do reencontro e a efemeridade do momento presente.
Como foi seu encontro com as intérpretes Christine Ceconello e Zula Lemes e como vem sendo esse retorno de ambas para apresentar o espetáculo de forma presencial?
O encontro com Christine Ceconello e Zula Lemes foi um diálogo entre gerações, onde cada uma traz uma bagagem única de experiência e sensibilidade. Christine, com sua energia visceral, e Zula, com a profundidade de décadas de vivência, criam um contraponto dinâmico que enriquece a narrativa do espetáculo.
O retorno de ambas ao palco presencialmente é um ato de coragem e, principalmente, de celebração. É como se o palco fosse um santuário onde as memórias e as emoções encontram uma nova expressão, e cada apresentação é um ritual de renovação, onde a arte se torna um testemunho da persistência e da capacidade humana de se reinventar.
Além dos corpos das intérpretes, o espetáculo também emprega elementos multimidiáticos, como instalações e projeções. Como foi a investigação para encontrar a presença e o alinhavo desses recursos no espetáculo?
A integração de elementos multimidiáticos no espetáculo foi uma busca por transcender os limites físicos do corpo, ampliando o campo de percepção e imersão do público. O design de luz, criado pela incrível Mirella Brandi, que trabalha comigo desde 2015, desempenha um papel crucial nesse processo.
A investigação envolveu uma exploração profunda da sinergia entre tecnologia e corporeidade, onde as instalações e projeções não são meros adornos, mas extensões dos próprios intérpretes. As projeções refletem as emoções e narrativas que os corpos carregam, criando uma teia complexa de significados. Esse alinhavo busca harmonizar a materialidade do corpo com a intangibilidade da imagem e do som, criando um espaço cênico onde o real e o virtual se entrelaçam em um diálogo contínuo.
Em 2024, o Brasil se deparou com mais uma situação trágica com o desastre que aconteceu no Rio Grande do Sul. Quais são suas reflexões em torno dessas temáticas ao se deparar com cenários de tamanha incerteza e mudanças globais?
O desastre no Rio Grande do Sul em 2024 é um lembrete pungente da fragilidade de nossas construções humanas diante das forças naturais. Reflexões sobre essas tragédias evocam um sentimento de humildade e urgência em repensar nossa relação com o meio ambiente e uns com os outros.
A arte, nesse contexto, se torna uma forma de resistência e de transformação, uma maneira de processar o luto e a dor, e de imaginar futuros possíveis. Em cenários de incerteza e mudanças globais, a criatividade e a empatia são ferramentas essenciais para reconstruir e reimaginar nosso lugar no mundo. O espetáculo, então, se torna um espaço de reflexão e ação, um convite à conscientização e à mudança.