“Todo início é turbulento, mas a gente tá chegando lá” | Entrevista – Alexandre Guimarães
Imagem – Lucas Emanuel
Com passagens pelo Fringe, no Festival de Curitiba, Festival de Teatro de Itajaí, Janeiro de Grandes Espetáculos e Aldeia do Velho Chico, o espetáculo pernambucano O Açogueiro, além de cumprir temporada no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, ganhou, no 16º Prêmio Cenym de Teatro, realizado em Aracaju (SE), três prêmios (Melhor Monólogo, Ator e Maquiagem) dentre as quatro categorias em que foi indicado (não ganhou somente por Melhor Cartaz). Para ver a lista com os outros premiados, acesse AQUI.
Para conversar um pouco sobre como vem sendo a temporada no Rio e como foi receber os prêmios pelo trabalho, nosso editor-chefe, Márcio Andrade conversou um pouco com Alexandre Guimarães.
Alexandre, comenta um pouco sobre como vem sendo essa trajetória d’O Açougueiro por festivais até chegar ao Teatro Poeira.
A história d’O Açougueiro é muito louca, porque a gente começou pagando para ir para festival. Quase que literalmente. O primeiro festival para o qual a gente foi, nós tivemos que nos bancar por completo. Até o lugar para ficar a gente teve de pagar. E é muito bonito como a gente foi conquistando as coisas, sabe? Começamos fazendo um festival local; depois, no interior; depois, num estado vizinho. De repente, a gente veio se bancando até Curitiba. Um investimento altíssimo. E de Curitiba foi ótimo, porque nós tivemos a visibilidade da imprensa de lá, com uma crítica muito boa que saiu. E ele foi colocado como um dos destaques do festival dentre 300 e tantos espetáculos. O único do Nordeste citado nessa matéria. Fiquei muito feliz com essa repercussão.
E, de Curitiba, uma galera chama a gente para Itajaí, em Santa Catarina, e, em seguida, voltamos para Recife e fazemos algumas apresentações com o Aldeia Yapotan, pelo SESC. Eu acho o Aldeia incrível porque tem a possibilidade da troca com outros grupos e a gente tem muitos pontos de convergência: muita gente produzindo sem patrocínio e com obras que não apostam no comercial. Daí, a gente tem de ir seguindo pelas margens, mas estamos conseguindo. A gente fez Festival de Londrina, que, pra mim, foi a cereja do bolo. Foi uma indicação de Paula de Renor, porque a gente participou do Janeiro de Grandes Espetáculos e eles fazem essa ponte com outros festivais. Porque, hoje, está muito difícil que os curadores possam ir para outros festivais justamente por essas questões financeiras. Então, uma das coisas que está se fortalecendo é o boca a boca: um cara do festival de Fortaleza indica para um de Recife, que indica para Londrina e assim por diante. Então, eu estou muito satisfeito por ver O Açougueiro circular dessa forma.
Depois destes festivais todos, consegui ainda trazer o espetáculo para o Rio de Janeiro, o que tá provocando uma série de outros olhares para essa obra.
E como é para você trazer esta peça com uma estética tão particular para uma cidade em que, no teatro, terminam predominando o teatro musical, o stand up e as comédias de relacionamento?
Aqui no Rio, é o único lugar em que eu não estou produzindo o espetáculo. Eu precisei contratar um produtor local justamente por causa desse mercado extremamente fechado. Eu bati em várias portas e não estava conseguindo retorno, até que alguns amigos de Recife me indicaram um produtor daqui, que assistiu ao espetáculo em vídeo e decidiu, literalmente, pagar para ver. Primeiro, a gente ficou muito feliz por ter sido aprovado no Teatro Poeira, que é um lugar que prima muito pela qualidade das obras que vão para lá. Ele não está mais interessado se você vai pagar pauta, mas na obra que você está levando para lá, que, geralmente, não tem tanto esse vínculo com a televisão, como a gente está acostumado a ver por aqui. No Rio de Janeiro, se produz muito teatro bom, mas eu sinto que essa estética extra-cotidiana, expressionista e com um ator e diretor desconhecidos na cidade termina criando uma barreira dentro da cidade. As pessoas estão assistindo ao espetáculo, mas ainda não estamos tendo um retorno da crítica teatral carioca, por exemplo. Críticos já vieram assistir, mas não expuseram o que sentiram sobre a peça. A gente fez um coquetel para apresentar o espetáculo à imprensa e vários jornalistas vieram e tal, mas é como se a gente continuasse estrangeiro. E o estrangeiro aqui parece que precisa dar uma volta maior para chegar onde outras pessoas chegaram. Entendo e aceito isso, mas não dá para negar o incômodo que provoca. Uma vez conversando com um produtor daqui, ele comentou que as relações comerciais são bastante pautadas por relações pessoais: se as pessoas não lhe conhecem, vai ser mais difícil fechar algum acordo comercial. Então, termina sendo óbvio: a gente deseja trabalhar com quem a gente conhece e confia. E, como as pessoas ainda não nos conhecem, nós precisamos dar essa volta maior para poder chegar lá.
Então, eu sinto um pouco desse atrito ao mostrar O Açougueiro à cidade porque, por não ter patrocínio nem apoio de verba de divulgação, a gente precisa muito do apoio da imprensa e não estamos tendo muito retorno dos críticos que foram assistir ao espetáculo. E imagino que isso vem acontecendo por uma série de fatores: um, porque nós não somos daqui; outro, porque não há um grande nome comercial da cidade envolvido… Então, existem essas intempéries iniciais que, acredito eu, vão passar porque eu acredito muito na qualidade artística desse trabalho, já que não é a primeira grande cidade em que a gente o exibe. Então, eu acredito muito no retorno do Rio de Janeiro, porque o público que assiste fica emocionadíssimo, então basta que esse ‘outro público’ possa se manifestar para que a gente saiba, ao menos, o que eles estão sentindo.
E quando você estava em Recife, você também percebia essa sensação de estrangeirismo na recepção do espetáculo por ser uma pessoa relativamente pouco conhecida no meio?
Eu acho normal que as relações pessoais interfiram nisso, até porque O Açougueiro é um resultado das pessoas que o fazem. São amigos que se uniram por um projeto. E eu senti algo parecido em Recife um ano e meio atrás. Porque, por mais que eu tivesse passado anos no Cênicas Cia de Repertório e o espetáculo tenha texto e direção de um diretor conhecido na cidade, eu não era conhecido. As pessoas podiam até ter me assistido em alguma peça, mas não conectavam o nome à pessoa. E a gente conseguiu se mostrar para a cidade porque as pessoas se abriram ao novo, como aconteceu com o SESC. Ele é um espaço que tem uma tradição e uma responsabilidade no fomento à cultura dentro do nosso estado. Então, quando ele me convida mesmo sem conhecer meus trabalhos anteriores para fazer vários circuitos, significa que é o trabalho que vai à frente. Então, a obra foi quebrando várias barreiras e creio que aqui será a mesma coisa, porque todo início é turbulento, mas a gente tá chegando lá.
E, depois desse espetáculo, você sente que encontrou um teatro que agrada mais desenvolver? Tem ideia de outros projetos daqui pra frente?
Na verdade, as pessoas já me perguntam muito o que vem depois d’O Açougueiro (risos). Eu não sou e nem quero ser refém do espetáculo. Até junho de 2017, meu foco está sendo ele, mas até lá eu já penso em um novo trabalho. Eu não tenho ideia se eu quero continuar trabalhando com essa estética de teatro físico, mas tenho certeza de que ele pode me ajudar a produzir qualquer tipo de teatro. Mesmo fazendo teatro musical, por exemplo, desenvolvendo as bases de teatro antropológico para conduzir um treinamento, você consegue juntar uma coisa com a outra.
Uma coisa que eu tenho pensado muito ultimamente é continuar com um dramaturgo pernambucano contemporâneo, mesmo pensando em uma próxima temporada no Rio. Eu não quero precisar ter de me inclinar para uma determinada linha para poder “vender” melhor minha obra por aqui. Eu quero continuar acreditando e apostando na descoberta por jovens dramaturgos. Trabalhar com Samuel me fez descobrir um frescor que me instigou a buscar a mesma coisa em outras pessoas. O resto, a gente vai ver no futuro.
E como foi para você receber três troféus no Prêmio Cenym de Teatro?
Então, Márcio. Todo mundo quer ser reconhecido: pelos amigos, pela família, nesses círculos mais próximos da gente. E o reconhecimento por um ofício, seja recebendo uma remuneração por ele ou qualquer outra coisa. Acho que é o passo que a gente deve buscar sempre: buscar o reconhecimento. E esse está sendo o primeiro passo de uma trajetória que ainda tem muito para conquistar. Às vezes, a gente precisa sair do lugar onde a gente tá para poder ver a grandeza do que a gente tem. Olhar com serenidade as coisas que estão retornando pra gente. Esse projeto surgiu de uma dúvida minha: “será que eu sou mesmo ator? Será que eu posso viver dessa escolha” E esse reconhecimento veio me dizer que “sim” e é isso que eu quero fazer. Muito obrigado por tudo isso e estou muito feliz.