#03 OcupaTudo | Os transportes coletivos como espaços performativos – Uma leitura-experimentação
Imagem – Tania Grillo | Arte – Rodrigo Sarmento
Elilson
Performer, Professor e Mestrando em performance (PPGAC/UFRJ)
Estação de metrô Central do Brasil, Rio de Janeiro, manhã corriqueira de dia útil. Centenas de pessoas se amontoam ao longo da plataforma de embarque, agrupadas em cercas controladas por seguranças que liberam parte a parte do excedente para se espremer nas composições superlotadas. Um trem para ainda mais cheio que o habitual. Na peleja que é entrar e sair, um passageiro atropela outro e segue em direção à superfície, com apenas um olhar para trás. O atropelado permanece deitado por alguns segundos, como se codificasse que era ele, então, o espaço entre o trem e a plataforma. Erguido pelo segurança, retorna ao vagão expressamente contrariado. Logo perco seu rosto de vista quando meia dúzia invade o trem, ocupando com seus corpos vagas inimagináveis. Quando as portas se fecham, metade de um sapato sobra para fora. O segurança é imediato: três chutes e não há mais impedimento para que o serviço continue. A sola do seu coturno é o ferrete da administração pública, cravando seu gesto de cuidado naqueles que sugestivamente nomeia como usuários.
Esta cena tem aspectos que certamente se repetem em outros centros urbanos brasileiros como Recife e São Paulo, cidades onde a mobilidade incessante produz passividade e indiferença, já que, na falta de tempo e de espaço, o direito de ir e vir é desincorporado de uma autonomia e os passageiros, dependentes desse confinamento em trânsito, são coreografados para não se afetarem “pela diversidade em torno, encontrando-se protegidos por desengajamento”.[1] Os mecanismos que preservam esse desengajamento, os quais tenho chamado de molduras comportamentais,[2] são diversos e encontram-se articulados nos transportes coletivos[3] para massificar as subjetividades: das noções de utilização (compra e validação de bilhetes, abrir e fechar de portas, sinalização de paradas etc.) à “geometria extremamente retangular […] com todas as faixas, setas, linhas e filas formatando o paradoxo de uma circulação quadrada, reta, que reforça uma mobilidade frenética e individual”.[4] Sem mencionar, é claro, a profusão de recursos audiovisuais (publicidades, astrologia, notícias sobre celebridades…), que disfarçam a passagem do tempo e as inoperâncias do serviço de transporte, bem como embaçam a inevitável copresença.
Tratam-se de convenções que regem a utilização do espaço, camuflam o controle num ideário de organização, salientam a sensação de “prestação de serviço” e introjetam as ideias de bem comum e patrimônio. Também garantem que as pessoas estejam sempre em movimento, o que, segundo a arquiteta brasileira Silke Kapp, equivale à dominação e atribui um sentido de alienação à mobilidade urbana. Dentro dessa lógica, até que ponto os transportes coletivos, na sua imparável circulação, não desviam dos nossos corpos a possibilidade de ser cidade? O antropólogo Marc Augé, em outros termos, vai explanar sobre uma “superabundância espacial do presente”, superlativo expresso, por exemplo, pelas “espetaculares acelerações dos meios de transporte”, que anulam possibilidades de iniciativas políticas, uma vez que constituem “não lugares”. Para o autor, um não lugar apresenta “instalações necessárias à circulação acelerada de pessoas e bens”, sendo um espaço que não se pode “definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico”.[5]
Se por um lado os transportes são engendrados para inibir possibilidades de concidadania e, desse modo, contradizem a própria ideia de coletividade, por outro lado os passageiros de grandes centros urbanos também estão habituados a ações que invertem essa lógica e trazem à tona possibilidades de identidade, relação e história, negando, a meu ver, a condição de não lugar. Vendedores ambulantes, pedintes, artistas e religiosos transmutam corredores e vagões de transportes em feira livre, “meio filantrópico”, palco, assembleia e púlpito religiosos, atribuindo aos passageiros o papel de espectadores. Investigar essa transformação dos transportes em espaços performativos tem norteado minha pesquisa desde a metade da graduação em Letras na UFPE, onde defendi o TCC intitulado “Dá licença, abençoado: uma análise de aspectos discursivos nas performances em transportes coletivos” (2015).
Neste trabalho, partindo da experiência como passageiro-espectador em transportes de Recife e Lisboa, percebi que as performances[6] desses corpos dissonantes – que entendem os transportes como palco privilegiado onde a cidade se encontra e aproveitam disso para circular suas necessidades de fala e sobrevivência – integram discurso, espaço, materiais e espectadores, exercendo precariedade como potência, revertendo efemeridade em praticidade, desdobrando dialética em dialogismo. Urdindo recursos linguísticos e visuais às particularidades de suas falas e gestos, pedintes, ambulantes, artistas e religiosos alteram a ordem dos transportes coletivos, praticando o espaço, exercendo outras funções em interação com os outros,[7] que, convertidos em espectadores-ouvintes-compradores-filantropos-plateia, podem colaborar com a perturbação dos mecanismos de controle, caso aceitem assumir um papel para além do de passageiro.
Aceitando constantemente a convocação para ser espectador, passei a desejar a experimentação de outro papel, o de performer e, assim, a pesquisa me endereçou até o Mestrado em Artes da Cena da UFRJ, onde tenho proposto e investigado inter-relações entre arte da performance e mobilidade urbana, a partir de performances que realizo em ruas e transportes coletivos. Entendo que a experimentação de performances em transportes pode, assim como o fazem ambulantes, artistas, pedintes e religiosos – resguardadas, claro, as especificidades de cada ação – vibrar iniciativas políticas, reestruturar a cenografia dos coletivos e, por meio de uma negociação gregária, provocar agenciamentos que mobilizem concidadãos para além de usuários ao salientarem relações de poder e de solidariedade.
Levando em consideração que, conforme salienta Eleonora Fabião, são próprios da arte da performance “chamados que implicam não num ensaio psicológico de posicionamento, mas em tomadas de posição imediatas (pois) a convocação da performance é justamente esta: posicione-se já: aqui e agora”,[8] proponho que performar em transportes coletivos instaura o que o filósofo Jacques Rancière intitula por dissenso, isto é, um “desvio ou torção específica” na partilha do sensível.[9] “Um conflito sobre a constituição do mundo comum, sobre o que nele se vê e se ouve, sobre os títulos que nele falam para serem ouvidos e sobre a visibilidade dos objetos que nele são designados”.[10]
Em outras palavras, a experimentação de ações performativas nesses espaços pode estimular quebras de molduras comportamentais e circulações de novos modos de relação, produção e percepção, disparando conversas com a cidade e sobre a cidade. Acentuando a copresença e desencadeando encontros, performances podem ainda potencializar, nos transportes, o olhar e a escuta acerca dos paradoxos que compõem a mobilidade urbana e dos cerceamentos que acometem os corpos na organização da cidade. Investindo em práticas de alteridade, artistas da performance podem circular nos coletivos negociações éticas não somente para a experimentação estética, mas para e junto com a cidade que se reúne passageiramente em movimento.
Com essas ideias em corpo e entendendo a proposição de performance discutida aqui como um espaço de indissociabilidade entre teoria e prática, gostaria de convidar xs leitorxs para que, juntxs, encerremos este artigo com a minha performance “Abate” (2017), realizada em vagões do metrô e do trem da cidade do Rio de Janeiro, a partir do seguinte programa performativo:[11]
Com uma máscara de boi em arame eletroluminescente, utilizar os serviços de trem e metrô da cidade do Rio de Janeiro nos horários de pico. Cumprir todo o ritual: fila para compra de bilhete, acesso, espera e tráfego. Manter o contato visual sempre que for encarado por alguém, mas conversar apenas quando outros passageiros iniciarem o diálogo.
Máscara: Rafael Turatti
Percursos: Central do Brasil – General Osório (manhã, metrô RJ) e Carioca – Madureira (noite, Metrô e SuperVia).
Duração total: 3 h
Manhã de sexta-feira, Estação Central do Brasil. Um mar de gente desembarca dos trens e corre para o subsolo do metrô. Visto a máscara, mas a massa em coreografia-correria é inalcançável, tendo o seu ritmo ligeiramente demarcado pelas esteiras rolantes, pelas fitas de acesso à bilheteria, pelas catracas de embarque e por cercas e seguranças que controlam a entrada nos trens. Desço as escadas e um novo aglomerado corre em direção ao metrô. Seguranças me olham e começam a acionar os rádios de comunicação. Passageiros se cutucam e me olham. Alguns falam coisas inaudíveis e se olham. Outros riem, acenam ou balançam a cabeça, franzindo as testas e soltando ar pelas narinas.
Na fila para compra de bilhetes cada cabine é demarcada por uma coluna de gente em inércia nervosa. Uma mulher cobre um dos olhos com a mão direita, outra bate freneticamente o calcanhar direito no chão e faz todo o corpo tremer. Um homem solta um ar tremido pelos lábios, fazendo um barulho de motor. Outro coça a barba com rapidez e aspereza, por mais de um minuto. Muitos estão com os pescoços curvados para os celulares, alguns retiram e colocam os fones de ouvido e ainda há os que mantêm o corpo reto olhando firmemente para as cabines. Alguns corpos me olham com estranhamento, outros riem e registram fotos nos celulares. A espera é objetivamente cotidiana: não é perturbada nem pelo emaranhado de vozes e passos que invade a estação a cada comboio de gente correndo para fazer baldeação.
Na bilheteria, a funcionária me percebe por pouco. Após as catracas, um segurança me aborda. Não é permitido utilizar o metrô assim. Assim? Isso, mascarado. Minha máscara não é fechada, não estou infringindo nenhuma lei. Para onde o senhor está indo? Trabalhar. Trabalhar? Eu trabalho assim. Tudo bem… bom trabalho! Só cuidado para não machucar ninguém, ok? Ok, tamo junto! Dentro dos vagões, as poucas pessoas que conversam falam do tempo: quando chove é um alívio. Metade das pessoas não consegue pegar o metrô. Metade?! Mas olha como a gente tá! Estou de frente a uma porta, imprensado entre as barras de ferro e quatro ou cinco passageiros. À direita, sentados no banco, quase no limite da outra porta, um homem e uma mulher riem e me apontam. Estamos falando mesmo de você! Ele diz, tocando a lateral da cabeça com o dedo indicador e apontando-a rapidamente para mim, como se batesse continência.
Perto dele há um senhor que, em pé, me olha de soslaio, arregalando as narinas no movimento de expiração. Sentada de frente para mim está uma senhora que me olha de um jeito parecido, por vezes seu rosto faz um movimento como se fosse cuspir, porém retrocede. À esquerda do meu corpo, um homem não consegue parar de me encarar. Mesmo quando algum passageiro nos atravessa ou coloca uma bolsa entre nossos rostos, ele pende o corpo para o lado e segue me fitando. Sigo fitando cada um deles, mas nenhuma conversa se verbaliza. Desembarco, passo por escadas rolantes, esteiras, entro em novos vagões. Sempre esbarrado e fitado. Testas se franzem sequencialmente. Um rapaz tira o fone do ouvido e pergunta: você é do energético? Balanço a cabeça e ele prossegue: estou tentando entender, mas, olha, realmente já se vê de tudo nesse metrô.
Começo de noite, estação de metrô Carioca. Antes das catracas, um segurança me interrompe. Meu superior lhe viu passar e me acionou. Não é permitido acessar o metrô com máscaras. Minha máscara não é fechada, não estou infringindo nenhuma regra. Eu conheço as regras do metrô. E eu estou informando que você não vai utilizar o metrô desse jeito. Ordena o segurança, com rosto avermelhado e dedo em riste apontado para minha cabeça. Por que não? Qual o problema? Ele pagou como todo mundo e está fazendo um trabalho artístico, interfere uma usuária do metrô. Ela faz com que um segundo segurança reavalie a situação: na verdade, o problema não é a máscara. A questão é não machucar ninguém. O senhor vai embarcar no horário de maior lotação. Pedimos, por favor, que tenha cuidado.
De fato, desisto de dois trens superlotados. O terceiro para, as portas se abrem e penso em deixá-lo ir. Um homem embarca de costas, colocando a bolsa para frente do corpo. Sigo sua artimanha. A ponta da minha máscara quase bate na porta, não fossem duas mulheres que se esmagam entre meu corpo e a porta. Aponto a cabeça para cima. Elas duas começam a discutir para saber quem empurrou quem. Uma terceira sorri. Como eu, ela encaixa os dedos na saída do alto-falante – único espaço livre para nossas mãos. Desembarco na Central do Brasil e sigo até a bilheteria da SuperVia. Passo das catracas e nenhum segurança me interpela. Dois policiais militares também trabalham dentro da estação. Adiante, mais quatro seguranças. Há três ou quatro trens parados. A cada porta, de vinte a trinta pessoas estão paradas decidindo se embarcam ou se já garantem uma vaga para o próximo. Circulo por toda a plataforma. Ambulantes vendem doces caseiros, pipocas, balas, fones de ouvido, pele e cerveja. Um deles me cumprimenta: e valeu, boi!
Embarco no penúltimo vagão do trem em direção a Japeri. Trata-se de um semidireto, com poucas paradas. Decido que desembarcarei em Madureira. Na plataforma, alguns homens discutem qual o termo mais apropriado para me definir: Corno! Viado! Bambi! Corno ou bambi, o negócio é que esse aí é assumido. Pessoas riem dentro e fora do vagão. Pergunto a uma mulher qual o lado de desembarque para a Estação Madureira. Porta da esquerda, melhor já chegar junto! Será que consigo? Consegue. Nem se preocupe, que na próxima estação até eu vou parar lá, mesmo sem querer. Consigo e, entre o trem e a plataforma, os homens continuam a me adjetivar. Ao meu lado, um homem indigna-se e fica do meu lado: eles nem param pra entender o propósito do trabalho e já vão falando besteira. É com ele que sigo conversando.
Seu amigo questiona: mas qual seria o propósito? Ou ele saiu assim de bobeira? Estou trabalhando, respondo, entrando na conversa sobre mim. Que trabalho é esse, homem? – pergunta uma passageira. Antes de responder, tento encontrar um apoio para o corpo, mas todas as barras de ferro estão congestionadas. Cada braço e cada perna esbarram em outros braços e pernas. No emaranhado de gente, encontro a solução: há dois homens que conseguem encostar os dedos no teto da composição e utilizam o braço estendido como suporte para o outro braço. Mimetizo a gambiarra e converso: às vezes trabalho dentro dos transportes, realizando algumas ações.
E você sempre utiliza esse boi? O que você já fez no trem? Falo sobre Estação Adílio, performance que realizei em tributo a Adílio Cabral dos Santos, vendedor ambulante atropelado por três trens em Madureira. Algumas pessoas lembram do caso. Uma mulher relativiza a barbárie: mas ele estava nos trilhos, né? O que a SuperVia poderia fazer? O que ela poderia não fazer é atropelar o homem de novo, responde outra passageira. Aos poucos, a conversa ganha adeptos e uma inimaginável roda ensaia se formar, mas se desmancha sucessivas vezes. Por inúmeras vezes o trem para. No trilho de sentido oposto, a composição também está parada ou com velocidade reduzida. Um passageiro brinca ao meu ouvido: trânsito de trens, já viu?! Só que na frente desse trem só tem o ferro livre, vai entender! Ao passo que a passageira do lado adverte: eita! Agora é que vai encher em São Cristóvão. Em Madureira, então, aí é que vai ficar gostoso! O homem que ficou do meu lado pergunta o que acho sobre os transportes do Rio. Decido descrever o passeio que fiz com a máscara no metrô.
Ah! Por acaso, o metrô tava tão apertado e lento assim? Balanço a cabeça e complemento: aqui, pelo menos, as pessoas conversam. A gente passa mais tempo junto, né? Expõe uma passageira, que prossegue: meu querido, aqui é padrão Japeri. A gente leva horas se esmagando, mas se diverte. Já já entra alguém vendendo uma gelada! Outra passageira, comparando o metrô com o trem, diz que a cidade, feito o transporte, é desigual: no meu trabalho, mesmo! Trabalho num hospital lá em Botafogo. Há uma regra clara: pela porta da frente, só entram médicos e clientes. De enfermeiro pra baixo, só pode entrar pelos fundos.
Fico em silêncio, soltando forte o ar pelas narinas. Do meio do vagão, um braço se estica e a mulher me cutuca: o que você acha que vai mudar fazendo essas ações? Solto um riso de alegria nervosa: conversar com você já está mudando muito pra mim. Agradeça por ter o direito de ter coragem de andar assim. Se hoje fosse os anos 70, você seria preso no ato, ela diz, redirecionando a pauta da conversa. O cenário político do país é avaliado. Figuras políticas são avaliadas. Pessoas retiram os fones de ouvido e entram na discussão. Passageiros me perguntam o que acho sobre Dilma, Lula e Temer, nessa ordem. Respondo com sinceridade e com cautela, tentando acolher as divergentes opiniões. No meio das falas, a mesma mulher me questiona: mas você concorda que o golpe de hoje é mais brando que o de antes, não é? É difícil afirmar o que a gente ainda está tentando entender. Me pergunta a funcionária do hospital com regras escravocratas: e o Bolsonaro? Por esse tipo de trabalho que ele faz, claro que ele não gosta dele – fala categoricamente a mulher que relativizou o crime contra Adílio. Você está completamente certa, respondo. Ela passa a defender o projeto político do militar.
Trocamos algumas palavras sobre direitos humanos, mas o trem fica ainda mais lotado e é impossível manter as conversas olho no olho, mesmo de soslaio. Chegamos em Madureira? É a próxima! Quase todo o vagão responde em coro, para minha surpresa. Aviso à colaboradora que, imprensada em algum dos vagões, tenta me fotografar em ação. Ih, tem mais boi infiltrado por aí – brinca uma passageira. Vai abrir, chegou Madureira, o coro novamente me avisa. Pessoal, muito obrigado pela acolhida, pelas falas e pela escuta. Voltem bem pra casa! As pessoas se despedem. Alguns retornam os fones para os ouvidos. Ela não queria saber o que você quer mudar? A minha sexta-feira já foi diferente. Aliás, vai ser difícil barrar essa cabeça de boi – diz o amigo do homem que esteve do meu lado, que continua: cuidado com o chifre na hora de descer! E com o vão! É enorme. Dá uns 10 do vão do metrô![12]
Referências
AUGÉ, Marc. Não lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Editora Papirus, 2008.
CAIAFA, Janice. Trilhos da cidade: viajar no metrô do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2013.
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.
ELILSON. Por uma mobilidade performativa. Rio de Janeiro: Editora Temporária, 2017.
FABIÃO, Eleonora. Programa performativo: o corpo-em-experiência. In: ILINX – Revista do LUME (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP): n. 4, p. 1-11, 2013.
________________. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. In: Sala Preta, v. 8, p. 235-246, 2009.
LEONARDELLI, Patricia. Teatralidade e Performatividade: espaços em devir, espaços do devir. Revista Cena, Porto Alegre, UFRGS: v.2, p. 1-19, 2011.
KAPP, Silke. Alienação via mobilidade. Campinas: Oculum Ensaios. v. 15, p. 30-41, 2012.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009.
__________________. O dissenso. In: A crise da razão. Org.: NOVAES, Adauto. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Notas:
[1] Expressão do sociólogo estadunidense Richard Sennett (1992, p. 129), citado pela antropóloga brasileira Janice Caiafa (2013, p. 30).
[2] Escrevi originalmente essa consideração no meu livro Por uma mobilidade performativa (2017, p. 16).
[3] Conforme expressei no livro referenciado na nota anterior, “escolho utilizar coletivos ao invés de públicos, pois os transportes (e a palavra inclui aqui não somente a malha de veículos, mas também as áreas da cidade que são destinadas para construção e funcionamento de plataformas – estações de trem, metrô e balsa, rodoviárias…), embora difundidos como um bem público, constituem um serviço tarifado. Evidentemente, dentre os tipos de transporte a contradição público x privado é mais diluída ou mais densa conforme as condições de acesso e utilização (vide os aeroportos). Logo, há uma seleção de público que, por si só, torna nebulosa a ideia de um serviço público” (2017, p. 15-16). Ademais, as empresas de transporte metropolitano são, em sua maioria, administradas por empresas privadas que ganham concessões das prefeituras, o que torna ainda mais complexa a relação público/privado.
[4] Elilson, 2017, p. 14.
[5] Augé, 2008, p. 36.
[6] Tendo em vista as inúmeras concepções sobre performance, que se estendem em campos como linguística, economia, artes e antropologia, torna-se válido mencionar qual perspectiva tenho em mente quando me refiro a pedintes, religiosos e ambulantes como performers. Neste caso, recorro a um viés antropológico, expresso sobretudo pelo teórico estadunidense Richard Schechner, que estende a noção de performance a eventos cotidianos, entendo que ela “acontece, fundamentalmente mediante três operações (1. A criação de um comportamento que gera uma ação; 2. A efetivação da ação; 3. A apresentação de tal ação) por isso, diversos acontecimentos culturais, desde atividades esportivas, até rituais e mesmo produtos midiáticos, comportariam um caráter performativo que, de fato, seria intrínseco à condição humana, variando apenas conforme o conjunto de convenções que determinam sua expressão” (citado por Patricia Leonardelli, 2011, p. 3. Grifo adicionado). Quando me refiro a performance enquanto procedimento artístico, sou guiado principalmente pela noção de programa performativo, conceito expresso na nota de número 11.
[7] Em itálico: consideração do filósofo francês Michel de Certeau (2007, p. 91).
[8] Fabião, 2009, p. 243.
[9] Trata-se do “sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas; Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas” (RANCIÈRE, 2009, p. 15). A partilha do sensível condiz, assim, ao plano de reconhecimento do que está na esfera do visível e do dizível, incluindo as distinções, isto é, como se operam repartições entre espaços. Nesse sentido, os transportes coletivos representam um comum, um serviço “público” que retrata o direito da mobilidade urbana, mas que se torna exclusivo: afinal, nem todos podem ter acesso. Ademais, os que têm acesso não são consultados nos planejamentos que decidem o trânsito na cidade.
[10] Rancière, 2006, p. 370.
[11] Programa Performativo é um conceito elaborado pela performer e teórica da performance Eleonora Fabião, em diálogo com a aparição da palavra programa no texto Como criar para si um Corpo sem Órgãos, dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari. Em linhas gerais, um programa é o “enunciado da performance: um conjunto de ações previamente estipuladas, claramente articuladas e conceitualmente polidas a ser realizado pelo artista, pelo público ou por ambos sem ensaio prévio” (2013, p. 4).
[12] A primeira versão da narrativa de “Abate” foi publicada em Por uma mobilidade performativa (2017, p. 84 a 87).