“Se depender de nós, o Teatro não vai morrer nunca” | Entrevista – Companhia Fiandeiros
Imagens – Divulgação
Em seus 13 anos de fundação, a Companhia Fiandeiros de Teatro, uma das mais atuantes do Estado, elabora seu repertório de espetáculos com base na dramaturgia pernambucana e no desenvolvimento de novos processos dramatúrgicos, com textos originais criados a partir de pesquisas realizadas pelo grupo.
Oito montagens fazem parte do repertório da Fiandeiros: Vozes do Recife – um concerto poético (2004), O capataz de Salema (2005), Outra vez, era uma vez….; (2008), Noturnos (2011), Uma Antígona para Lúcia, Caliban – Um olhar sobre A Tempestade; e O canto do cisne, esses três de 2015, e agora Vento forte para água e sabão (2016). O Espaço Fiandeiros, que sedia a companhia, abriga seus diversos projetos e pesquisas, entre eles a Escola de Teatro Fiandeiros, referência no ensino do teatro para crianças e adultos em Pernambuco.
Em entrevista ao nosso editor-chefe, Márcio Andrade, a atriz Daniella Travassos comenta um pouco sobre pesquisa, teatro para infância e (re)construção.
Como vocês procuram fazer estas instâncias de criação, formação e pesquisa dialogarem seja em um espetáculo, seja em um curso, seja em uma investigação de dramaturgia e encenação?
Sim, funcionamos como espaço de pesquisa e o diálogo entre todas as nossas ações é a nossa maior preocupação. Temos um repertório de espetáculo que dialoga com todos os nossos projetos, um banco de textos que serve de apoio a nossa Escola de Teatro e que é o mote do Projeto Dramaturgia que está caminhando já para a terceira edição. Cada texto, cada encenação, dialoga com o conteúdo trabalhado em sala de aula no projeto Escola de Teatro Fiandeiros e com as montagens pedagógicas também,. Assim tem sido também nossas pesquisas para realização de montagens. Nosso repertório hoje é uma consequência ou um mote para realização de nossos projetos e para o desenvolvimento pedagógico de nossos cursos. Tudo caminha junto porque tudo é parte do trabalho de gestão da Companhia Fiandeiros.
É a nossa maneira de desenvolver a nossa política de Grupo e de mostrar o que pensamos esteticamente e pedagogicamente. Estamos gerando há muito tempo a vontade de trabalhar mais um espetáculo voltado para infância porque entre o primeiro (Outra vez, era uma vez…) e o atual (Vento forte para água e sabão), tem um intervalo onde surgiu o nosso curso de interpretação para crianças, hoje, referência na cidade. Já estamos no quarto ano de funcionamento dessas turmas para os pequenos e já temos mais 300 crianças formadas e oito montagens pedagógicas com elas. Por isso, decidimos dedicar o nosso ano de trabalho em 2016 a projetos e montagens que dialoguem com o universo da criança em todos os sentidos.
No processo de construção de um espetáculo infanto-juvenil que tematiza a morte, existiu algum receio de lidar com este tema e terminar soando didático e/ou superficial?
Logo quando a Fiandeiros surgiu, definimos que a primeira pesquisa que queríamos desenvolver seria sobre o teatro para infância de juventude. A partir de então, começamos a nos identificar e a produzir dramaturgias que tratassem a criança como um ser crítico, pensante, com o qual pudéssemos falar sobre o que quiséssemos, desde que com verdade e ludicidade. Foi assim que foi desenvolvido o texto Outra Vez, Era Uma Vez…, escrito por André Filho, que tratava também da morte e do começo e fim das coisas. Por é assim que a vida se apresenta. Não adianta protegermos a criança impondo a elas um conto de fadas que não existe na vida real. Também não estamos tirando delas a magia ou a ludicidade. Estão todas lá. A diferença é que falamos que na vida tudo tem um começo, meio e um fim. Que a vida é feita de encontros e de perdas. E o que importa são os caminhos e a as transformações que esses encontros causam na vida da gente. O Vento Forte é cheio de momentos lúdicos, divertidos e ao mesmo tempo, repleto de reflexões sobre coragem e encontros.
Em 2016, o TREMA! Festival tematiza trata da (Re)Construção caldado na nossa crise política e, de certa forma, ideológica. Como essa esfera temática pode ser pensada nos espetáculos de vocês?
Estar em atividade com Teatro de Grupo, desenvolvendo um trabalho continuado ininterrupto, mantendo uma sede por iniciativa própria e sem nenhum subsídio, desenvolvendo Projetos na cidade muitas vezes também sem qualquer patrocínio (como o caso da Escola de Teatro Fiandeiros), já é por si só uma atitude política de resistência. É assim que pretendemos continuar e fortalecer a classe dos artistas de teatro nessa luta por melhores condições de trabalho. Estamos em sintonia e conscientes do nosso papel de artistas e satisfeitos pelo nosso repertório falar também de resistência política de social em diversas instâncias através de suas temáticas/abordagens.
Promover a educação cultural de quase 300 jovens e adultos por ano na nossa Escola de Teatro é a nossa forma de plantar sementes de luta e resistência cultural na cidade. É a nossa forma de dizer que se depender de nós, o Teatro não vai morrer nunca. Se estão fechando teatros, a gente abre as nossas sedes, as nossas casas. Se estão acabando com a formação cultural e artística nas escolas, a gente bota nas ruas projetos de formação cultural. Se estão querendo calar a voz da sociedade e acabar com os nosso direitos, a gente fala através de nossos trabalhos que a sociedade somos nós, que o direito a voz é nosso e que temos força pra seguirmos juntos e sem medo. Foi por isso que escolhemos ser artistas.