Crítica – Pezinho de Galinha | Tem uma puta ali embaixo!
Imagens – Renato Filho
Por Doralice Lopes
Graduanda em Licenciatura em Teatro (UFPE)
O espetáculo Pezinho de Galinha faz parte da programação do Outubro ou nada: 1º festival de teatro alternativo do Recife e foi apresentado dia 5 de outubro na Casa do Acre, localizada no 7º andar do Ed. Iemanjá, na Rua da Aurora, com uma vista belíssima para o Capibaribe. A Casa do Acre é um espetáculo à parte, já que também podemos fruir desse lugar enquanto bebemos umas cervejas, tomamos um caldo-verde ou apenas observamos as peças da Acre e a decoração do lugar, que além de Ateliê e espaço para o chamado Teatro domiciliar, é também a residência de Cássio Bonfim, um dos produtores do espetáculo.
Em Pezinho de Galinha dois atores, Nínine Caldas e Eric Valença, dividem a cena e representam vários personagens, entre eles Nanda, uma prostituta experiente; Memé, uma bicha amiga de Nanda e que divide o apartamento com ela; Romão, alguém que acaba de fugir do presídio; e um pregador, que mais se parece uma assombração diabólica -chantageando e extorquindo os fiéis- e que o usa o mesmo apartamento para organizar os seus cultos. No texto, livremente inspirado em Navalha de Carne, de Plínio Marcos, e pensado, adaptado, pelos próprios atores, as personagens aparecem para nós ora como uma caricatura, ora como um retrato, quase fiel, de uma realidade dura e preocupante que assombra a cidade, o país e o mundo em que vivemos. As personagens oprimem e são oprimidas entre si, nos oprimem e são oprimidas por nós quando rimos de revelações completamente humilhantes e constrangedoras da vida dessas criaturas, por exemplo.
As cenas nos aparecem em forma de monólogos (tanto do pregador, quanto da prostituta) ou em cenas de diálogos entre as personagens, como entre Nanda e Memé, enquanto a primeira se prepara para atender um cliente rico do Recife; ou ainda, quando Nanda, e nós, somos surpreendidos pela presença de alguém que vem extorqui-la, chantageá-la, e presenciamos uma cena triste, lamentável, de violência contra a mulher, representada com maestria pelos atores. Tudo isso acontece na sala do apartamento de Nanda -que também é sala do apartamento de Cássio- e os elementos de uma sala qualquer: sofás, mesas e cadeiras, fazem parte da cenografia do espetáculo.
Mesmo com o tom cômico trazido em alguns momentos, a reflexão que os atores trazem para os espectadores não é menos séria, menos relevante. Nínive e Eric com certeza sabem que o riso revela, expõe, coloca as situações em crise, então não abrem mão de trazer à cena aspectos cômicos das situações que poderiam ser vistas apenas pela perspectiva trágica. Fazem-nos pensar em como uma prostituta aparentemente feliz, bem resolvida e independente, pode estar sendo oprimida, perseguida e agredida por alguém que parecia fazer parte apenas de um passado remoto; pensar nas relações de poder existente entre os amigos, companheiros, etc.; e pensar também nos que usam a fé das pessoas para se manter no controle de um sistema preconceituoso, excludente. A pesquisa e a criticidade dos envolvidos em Pezinho de Galinha é percebida por quem assiste ao espetáculo e quem acompanha, numa mínima instância, o dia a dia (seja nos jornais, na internet ou nas ruas do Recife), a vida dos que inspiram as personagens.