A gente aprende a coragem na marra | Entrevista – Katerina Amsler

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Imagem – VIDAFODONA
Histórias de mulheres contadas por mulheres. É nisso que acredita Katerina Amsler, atriz e idealizadora de VAMO ACELERÁ ESSA FESTINHA, monólogo escrito e estrelado por ela que volta aos palcos em 7 de junho, no Teatro Café Pequeno, no Leblon e faz temporada até 16 de junho com apresentações nas sextas e sábados às 20h e domingos às 19h.
Dirigido por Julia Horta e nessa nova temporada supervisionado por Amir Haddad, com quem Katerina trabalhou por cinco anos no grupo Tá Na Rua, a produção expõe a violência contra o corpo da mulher. Assumindo um tom hora documental, hora ficcional, a dramaturgia é costurada por situações dramatizadas e reais, contadas tanto pela personagem quanto pela atriz. O espetáculo começa dinâmico, com direito a interação com DJ e consumo de bebidas liberado, apresentando o contraste de diversão e perigo que permeia a própria experiência da personagem. Assim, o projeto busca instigar o questionamento e a denúncia da estrutura que sustenta a violência de gênero.
Para saber mais sobre o processo de criação do espetáculo, a atriz e idealizadora Katerina Amsler conversou com o co-editor-chefe do Quarta Parede, Márcio Andrade.
Katerina, o que te motivou a criar “VAMO ACELERÁ ESSA FESTINHA” e como a ideia inicial se desenvolveu ao longo do tempo?
O que me motivou a criar esse espetáculo foi um relato de uma mulher que sofreu o golpe boa noite cinderela em casa pelo próprio marido. Relato que é o mote central da dramaturgia e é narrado na peça inclusive. A partir desse relato eu comecei a pesquisar o golpe boa noite cinderela e fui encontrando fatos reais, eventos e histórias e percebi que falar sobre esse tema era urgente e necessário.
A peça aborda a violência contra a mulher de maneira não linear, misturando elementos documentais e ficcionais. Como você e a diretora Júlia Horta decidiram por essa abordagem narrativa?
Pensando que a peça começa com um relato real que uma mulher muito próxima a mim sofreu e que me deixou completamente mexida isso já me desloca do âmbito ficcional e me leva para o documental, como contar essa história sendo fiel aos fatos e ao mesmo tempo revelar a pesquisa que foi feita a partir do relato, me leva para o ficcional, criar cenas e imagens que traduzem tudo aquilo que foi elaborado a partir das pesquisas e misturar essas duas linguagens foi o caminho mais honesto que encontramos para falar sobre esse tema.
Como foi trabalhar novamente com Amir Haddad, dessa vez na supervisão do espetáculo? De que maneira sua experiência no grupo “Tá Na Rua” contribuiu para a concepção e a montagem da peça?
Quando o projeto começou eu ainda fazia parte do Grupo Tá Na Rua e eu costumo dizer que o trabalho com o Amir foi minha principal escola, ele é meu grande mestre, a maior parte do que sei sobre teatro e atuação, devo ao encontro com ele. Então a linguagem que aprendi com o Amir sempre fez parte da minha criação, desde o início, é claro que sair da rua para o palco de um teatro fechado tem uma diferença imensa, mas tem uma essência, uma raiz que é praticamente um guia que levo para onde vou e qualquer trabalho que eu faça.
”VAMO ACELERÁ ESSA FESTINHA” já passou por diferentes formatos, incluindo apresentações virtuais e presenciais. Como essas diferentes experiências impactaram o desenvolvimento da peça?
De maneira muito enriquecedora e nos conectando honestamente com cada momento do trabalho, entendendo que existe um processo, que as coisas levam tempo, pesquisa e criação tem seu próprio processo de maturação, hoje a peça que reestreio não é a mesma que estreei em 2022 nem as que fiz online em 2020 e é lindo observar isso, traz um senso de dignidade e respeito ao trabalho, durar nas coisas em um momento em que o tempo acelerado da internet é o imperador, traz muito aprendizado.
Na apresentação, você menciona que, desde o início do projeto em 2020 até agora, se tornou uma mulher mais corajosa e apropriada. Como esse crescimento pessoal influenciou a evolução do espetáculo?
Influenciou de diversas maneiras, principalmente em termos de performatividade, o teatro é vivo e o público vê tudo acontecendo, a gente sobe no palco para se permitir ser devorada e na primeira temporada eu ainda tinha muito medo do público, de como ele me veria, do que ele pensaria, sobre mim e sobre meu trabalho, principalmente sobre uma abordagem arriscada a partir de um tema polêmico e delicado. Às mulheres, coragem não é a primeira coisa que ensinam quando crianças, muitas vezes nem ensinam, mas a gente aprende a coragem na marra e quando a gente se apropria dela a gente vira bicho. E todo esse amadurecimento pessoal é visível no trabalho como um todo, são mudanças sutis, mas com um efeito imenso no palco.