Crítica – A Engrenagem que Nos Move | Deixa eu te contar a história da engrenagem que ganhou VIDA!

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Por João Marcos
Recife, 11 de outubro de 2024
Querida Roberta Ramos,
No mês passado, tive a incrível oportunidade de assistir ao espetáculo A Engrenagem que Nos Move (2024), apresentado pelo Raio de Sol, que é um grupo de quadrilha estilizada lá de Olinda (tu conheces?). Eu preciso compartilhar essa experiência contigo. Foi uma noite cheia de emoção, inovação e energia, que transformou a tradicional dança de quadrilha em algo verdadeiramente avassalador e cheio de simbolismo, mas só tive tempo de te escrever agora (não fica chateada).
E se eu te contar que o espetáculo gira em torno de uma metáfora poderosa: a vida como uma engrenagem, em que cada um de nós tem seu papel, mas, ao mesmo tempo, está preso às estruturas sociais que nos moldam e limitam, como sempre né? tem que existir isso não sei para quê. O uso da quadrilha tradicional foi de uma criatividade impressionante, mas o que mais me surpreendeu foi como a coreografia elevou a dança a outro nível. Os passos rápidos, precisos e cheios de vigor, misturados com elementos inovadores, tornaram cada movimento algo para se admirar (me arrepiei todo aqui só de lembrar).
O ponto alto do espetáculo, sem dúvida, foi o solo do Rei e da Rainha. O carisma e a força desse casal na quadra foram arrebatadores, suas coreografias expressavam não apenas o poder que eles exercem sobre os outros personagens, mas também a luta interna para manter essa engrenagem em funcionamento, e como funcionam! A química entre eles foi palpável, e a dança dos dois trouxe um magnetismo impressionante.
Outra cena que me marcou profundamente foi a participação de Matheus, o dançarino cadeirante, que fez parte do grupo do cangaço. Sua presença na quadra foi um exemplo de inclusão e superação, e sua performance junto ao cangaço foi um dos momentos mais marcantes desse espetáculo. Ele demonstrou que as limitações físicas não são barreiras para a expressão artística. A maneira como ele interagia com a cadeira, e como a dança foi adaptada para seus movimentos, me emocionou profundamente.
A personagem Glorinha, a vilã da história, trouxe um contraste interessante. Sempre implicando com Lindinha, a noiva, ela personificava a inveja, elemento esse que serve de combustível para as engrenagens do espetáculo. Por um momento penso que ela não deveria desligar a engrenagem já que a mesma faz parte da mesa de bonecos, mas suas interações, sempre carregadas de tensão e desdém, tornaram a narrativa ainda mais cativante. “Já que é assim…” né, Glorinha?
Outro momento de destaque foi a criação da “engrenagem humana”, em que os dançarinos formaram uma estrutura simbólica que representava o funcionamento dos bonecos e o esforço coletivo de manter tudo em movimento. Esse ato foi o ápice da noite, tanto visual quanto emocionalmente. Ver os dançarinos se unirem em uma formação tão precisa e detalhada foi algo de tirar o fôlego, me fazendo recordar de minha infância quando chegava o caminhão carregado de bonecos de mesa com as suas engrenagens lá no meu interior… Todas as noites durante uma ou duas semanas, eles abriam e cobravam (naquela época 50 centavos) para as pessoas entrarem e assistirem aos bonecos se mexerem. Era lindo, visse!? (eita que tempo tão bom!)…
Por fim, vale destacar o figurino dos componentes, inspirado nos bonecos dos mestres Bibiu e Saúba, de Carpina, que trouxeram um toque de arte popular e regionalismo ao espetáculo. Cada dançarino parecia uma peça viva dessas figuras emblemáticas, trazendo um pouco da alma do artesanato para a quadra, conectando a história da quadrilha com as raízes da cultura pernambucana. E, ainda te digo mais: não só foram os figurinos inspirados nos mestres, mas sim todo o espetáculo. Ele conta toda a história em cima desses bonecos de mesa dos mestres. Que história tão cativante! Sem falar o marcado (oxe nem se fala!): o homem ali interpretou o Mestre Carpina o ‘Criador desses bonecos’ que fez esse trabalho com uma excelência inexplicável.
Sem dúvidas, A Engrenagem que nos Move foi um espetáculo que mesclou a tradição com inovação, refletindo sobre as pressões sociais que enfrentamos enquanto celebramos nossa identidade cultural. Se você tiver a chance de ver, não perca essa oportunidade! Inclusive eles vão dançar dia 09 de dezembro lá no Teatro Luiz Mendonça, cuida e corre pra num perder essa história.
Com muito carinho,
João Marcos