Encruzilhadas e diásporas | Entrevista – Coletivo Comum
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Imagem – Fernando Reis
De 9 de maio a 2 de junho (de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 19h), o espetáculo eXílio, do Coletivo Comum, realiza apresentações no Teatro Arthur Azevedo (SP). Para o Coletivo Comum, os deslocamentos forçados de pessoas por conta de guerras, violações de direitos humanos, condições climáticas e perseguições de qualquer tipo são um dos principais temas da atualidade, envolvendo questões individuais e coletivas, políticas e subjetivas.
O grupo decidiu, então, fazer desses deslocamentos o seu material de pesquisa para construir o espetáculo, que apresenta canções em vários idiomas, incluindo purepecha e tamazight, línguas do atual México e do norte da África, respectivamente, além de músicas brasileiras. Mantendo a tradição de fazer teatro documental, o Coletivo Comum estruturou cerca de 30 cenas para dar conta da multiplicidade de abordagens referentes ao tema do exílio.
São quadros independentes, nos quais o elenco formado por Fernanda Azevedo, Maria Carolina Dressler, Renan Rovida, Renata Soul e Roberto Moura narra as diferentes dimensões envolvidas nas questões envolvendo migração, refúgio e exílio. Para saber mais sobre a trajetória do coletivo e de seus processos de criação, o editor-chefe, Márcio Andrade, conversou com o diretor e dramaturgo Fernando Kinas.
Fernando, você pode falar um pouco sobre a trajetória do Coletivo Comum para quem ainda não conhece o trabalho de vocês?
O Coletivo Comum, antiga Kiwi Companhia de Teatro, surgiu no final de 1996 e atua na cidade de São Paulo desde 2005. Nestas mais de duas décadas, o coletivo produziu uma vintena de montagens teatrais, além de leituras dramáticas; organizou cursos, oficinas e debates, eventos multiartísticos e publicações. O trabalho do grupo tem como base o debate crítico a respeito de temas civilizacionais, em especial relacionados à formação social do Brasil, além de uma investigação a respeito do papel político da arte e da relação direta com movimentos sociais. Seus trabalhos mais recentes são as peças Universo (a partir de conferência de Carl Sagan, uma discussão sobre obscurantismo e universalismo) e Os números e a vida (infanto-juvenil que faz a relação entre os princípios da matemáticas, temas sociais e questões típicas da adolescência); o longa-metragem Os grandes vulcões (investigação sobre o binômio realidade e ficção e questões geopolíticas); e, atualmente estamos em cartaz com o trabalho cênico eXílio.
Na trajetória da companhia, os temas políticos sempre se mostram bastante evidentes, resultando em espetáculos bem distintos entre si. Como as questões vão aparecendo para vocês a cada trabalho?
Nós consideramos que todos os temas são políticos, inclusive aqueles considerados escapistas, aliás, é justamente por serem escapistas, ou percebidos como tal, que eles são políticos. Quanto à diferença entre os trabalhos, nossa interpretação é que eles têm muitos pontos em comum, já que estão relacionados aos nossos objetivos políticos e estéticos gerais. Sobre a definição dos conteúdos e das formas utlizadas nos nossos trabalhos cênicos, ela acontece a partir de diagnósticos sobre a situação do Brasil e do mundo. Ou seja, vamos exercitando e selecionando opções em função das urgências sociais e das formas mais capazes de traduzi-las cenicamente.
Em ‘eXílio’, vocês exploram as imigrações a partir de uma pesquisa em uma diversidade de documentos. Como foi o processo de investigação e seleção dos materiais que, de fato, iriam compor a dramaturgia do espetáculo?
Foi um longo processo de pesquisas e coletas de materiais. A dificuldade material para o produção do trabalho permitiu o amadurecimento do projeto durante cerca de cinco anos. Resolvida esta etapa, principalmente através do apoio do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, iniciamos pesquisas e ensaios com a equipe ampliada de criação, com a duração de cinco meses. Realizamos uma viagem de pesquisa para a França, país conflagrado pelos temas do exílio, refúgio e migrações, principalmente pela instrumentalização do debate feita pela extrema direita. Encontramos, em Paris e Marselha, organizações, artistas, ativistas e especialistas nestes temas. A seleção de material, incluindo uma importante pesquisa musical, foi feita parcialmente na sala de ensaios, com a colaboração do elenco e da equipe ampliada de criação.
Além da imigração de refugiados entre países, vocês também abordam a ideia de migrações subjetivas/internas. Como foram chegando a essas discussões sobre falta de pertencimento como um sentimento que une várias minorias políticas na sociedade?
Escolhemos a palavra eXílio (assim, com um X maiúsculo) porque ela permite a ampliação do horizonte temático. Este xis representa um impasse, um confronto, uma encruzilhada. Esta palavra expressa, simultaneamente, algo da ordem do político e do poético. Falar em exílio – ao contrário de refúgio, por exemplo – acolhe mútliplos aspectos desta realidade social, com implicações coletivas e individuais. É por isso que temos cenas que se referem ao exílio interior (já mencionado pelo poeta latino Ovídio, no ano 10) e ao sexílio, um neologismo que se refere ao exílio em função da sexualidade e da expressão de gênero. Evidentemente, também destacamos as migrações forçadas e a crise de acolhimento internacional, mostrando o panorama atual marcado pela violência, xenofobia e preconceito. Um atenção especial é dedicada à questão Palestina e à diáspora africana.
No Coletivo, vocês também desenvolvem outras atividades – como ações formativas, publicação de caderno de estudos, encontros, intervenções etc.. Como essas outras ações, ao mesmo tempo, trazem questões para os seus trabalhos artísticos e, por outro lado, também desdobram as temáticas dos espetáculos?
Nós consideamos muito importante a atuação em várias esferas. Elas se retroalimentam e podem qualificar as intervenções. A publicação do Caderno de Estudos Contrapelo, que já está no quarto volume, é uma destas iniciativas. Mas também destacamos atividades formativas, principalmente em torno do Teatro Documentário e das formas dialéticas do teatro não psicológico. Também valorizamos a parceria com movimentos sociais, o que significa, quando possível, uma atuação de mão dupla, aprendemos e contribuímos com estas inciativas.
SERVIÇO
eXílio
Duração: aproximadamente 140 minutos
Classificação indicativa: 14 anos
TEATRO ARTHUR AZEVEDO
Temporada: 9 de maio a 2 de junho, de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 19h | Atenção: entre os dias 16 e 19 de maio não haverá espetáculo em razão da Virada Cultural.
Endereço: Avenida Paes de Barros, 955, Alto da Mooca, São Paulo/ SP
Ingresso: R$20 (inteira), R$10 (meia-entrada) e gratuito para estudantes do ensino público e pessoas em condição de migração e refúgi