Não há ilusão aparente | Entrevista – Súbita Companhia de Teatro

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Imagem – Humberto Araújo
Após estrear em 2022 e realizar apresentações no FRINGE, a mostra alternativa do Festival de Curitiba, o espetáculo AQUI – Amanhã é outra imagem, da Súbita Companhia de Teatro, finalmente chega a São Paulo. As apresentações são gratuitas e acontecem entre os dias 25 e 28 de julho, de quinta a sábado, às 21h, e, no domingo, às 19h, no Teatro Paulo Eiró.
Na trama, cinco pessoas estão reunidas em um teatro onde o teto se abre gradativamente. A segurança, se é que já existiu, está abalada. As paredes tremem. Ainda assim, elas se olham, se encontram e se abraçam com paixão, força, potência e amor.
Um buraco que para cada uma das personagens significa algo diferente. Mas, aos poucos, ele nos permite ver o céu. Os artistas permanecem neste espaço repetindo suas ações, o gesto eterno que sobrevive ao agora, porque está contido aqui, se inicia e se finda ao começar de novo e de novo. No elenco estão Cleydson Nascimento, Dafne Viola, Helena de Jorge Portela, Pablito Kucarz e Patricia Cipriano.
Para abordar o processo de criação do espetáculo, Maíra Lour, diretora da companhia, conversou com o co-editor-chefe do Quarta Parede, Márcio Andrade.
A Súbita Companhia possui uma longa trajetória de criação de espetáculos, publicação de dramaturgias, realização de eventos etc. Como o espetáculo “AQUI – Amanhã é outra imagem” surgiu como desejo de criação para o grupo?
Em 2024, a Súbita completa 17 anos de trajetória, com vários espetáculos e ações de formação e difusão no seu currículo. Em 2019, a companhia produziu seis peças solo que foram dirigidas ao mesmo tempo e promoveu um encontro internacional de investigação cênica, ações em que a Súbita deu um salto na sua história. O espetáculo AQUI começou a ser criado em 2020 e vem na continuidade de uma pesquisa sobre fisicalidade, estudos do corpo em cena e criação coletiva.
Começamos pesquisando a simultaneidade de acontecimentos e a cena fragmentada, e muitos dos primeiros experimentos permanecem ainda hoje em cena. Trouxemos a temática da memória de um território e da possibilidade do fim do teatro. Tudo isso se somou à vontade de criar um espetáculo diferente de tudo o que já tínhamos feito, com impulsos que partem do corpo e que celebram o encontro presencial. Com esses desejos, chegamos a este espetáculo.
O espetáculo traz como uma de suas referências a novela gráfica Here, de Richard McGuire. Como foi o encontro com esse material e como ele inspirou vocês nas temáticas que tinham interesse em abordar?
Este livro foi trazido para a pesquisa e todos tiveram um grande impacto ao entrar em contato com ele. É uma história em quadrinhos, e as imagens contam de forma única, linda e impactante algo que acontece em um mesmo espaço em vários momentos da história, em diferentes anos, no passar das décadas, mas também no futuro e no agora. Fala sobre todos nós, sobre a memória do que já foi, sobre ancestralidade, sobre conhecer a sua história e nos deixar atravessar por ela, e sobre sermos, ao mesmo tempo, passado, presente e futuro.
Ao ver na imagem uma simultaneidade de tempos e uma forma tão sutil e impactante de falar sobre memória, tivemos imediatamente o desejo de fazer isso utilizando a linguagem do teatro e do corpo em cena. Além disso, esse pensamento de fragmentos e sobreposição de cena também faz parte da pesquisa de encenação contemporânea do grupo.
A fisicalidade intensa é uma característica marcante da companhia. Neste espetáculo, como foram encontradas as particularidades no trabalho com o elenco que a dramaturgia e o processo de criação foram revelando?
O treinamento físico sempre esteve presente nos encontros e trabalhos da companhia, e esse repertório foi utilizado na criação do espetáculo através de práticas propostas pela direção. Além disso, a dramaturga Lígia Souza também fez várias propostas de dramaturgia a partir de criações físicas em que o elenco trabalhava, produzindo textos, imagens e angariando referências.
Antes de tudo, foram os próprios atores e atrizes que trouxeram esta característica física intensa para cada personagem. Como a busca é bem coletiva, as particularidades dos personagens foram sendo definidas a partir do que era criado no ensaio. Alguns se definiram mais rápido, outros se estabeleceram mais ao fim, mas sempre com uma noção muito coletiva do que era necessário nessa cena.
Na dramaturgia, percebe-se uma camada metalinguística que nos convoca a criar uma relação, de certa forma, mais opaca com o jogo teatral proposto. Como essas escolhas revelam as temáticas que vocês buscam abordar?
A metalinguagem aparece quando definimos que estamos todos aqui, juntos, reunidos, hoje, neste espaço, neste teatro, onde tudo se revela. Não há ilusão aparente, não há panos ou painéis que escondem coisas. E isso nos aproxima, porque o público não está separado do acontecimento.
A relação, na verdade, não parte da opacidade, mas sim do transparente, do revelado. Esta relação do encontro é muito importante para a própria temática, porque coloca o público como participante e pensante, porque eles também estão hoje neste teatro, que já foi uma casa, um cinema, e que será outra coisa daqui a muitos anos. É apenas dessa forma que conseguimos falar sobre o que falamos, estabelecendo um espaço de presença e de cumplicidade com todos que estão naquele espaço.