#21 Ruínas ou Reinvenção? | As vísceras da dramaturgia. Práticas de loucura para uma escrita

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Arte – Rodrigo Sarmento
Por Alana Kikkawa Prado
Diretora e dramaturga no Coletivo Rataria, Graduada em Artes Cênicas (USP) e Técnica em Teatro pela Recriarte
Eu tenho Transtorno Afetivo Bipolar, esse é o nome bonito que inventaram para substituir o nome velho e feio Transtorno Maníaco Depressivo. Uma doença crônica e com tratamento, e que pode evoluir para demência. É basicamente uma desregulação no fluxo energético do cérebro, ou seja, alterações metabólicas neuronais. Os sintomas são dos mais diversos: pensamentos suicidas, auto mutilação, apatia, hipersonia, insônia, pânico, psicose, imobilização que te torna incapaz de sair da própria cama, insônia, hipersensibilidade sensorial, desrealização, despersonalização, vontade de trepar até com a maçaneta da porta, fala rápida, insônia, ansiedade, mega produtividade, irritabilidade,insônia, impulsividade (esse aqui em mania já quase me matou algumas vezes), exposição social desnecessária, já falei insônia? Isso quando seu cérebro não joga a tua imunidade lá no pé e você fica doente de outras coisas, ou ele inventa algumas dores e sintomas de outras doenças. Não dá pra dar conta de listar cada um dos meus sintomas, fora que eles também mudam com o tempo (sem falar dos efeitos colaterais dos remédios). E cada bipolar tem a sua cartelinha de combo apesar de todos compartilharem a sensação de onipotência e a impotência, às vezes até no mesmo dia se a ciclagem estiver muito rápida. A mania e a depressão também podem gerar estados mistos, e é quando o pensamento suicida e a impulsividade se encontram que temos a doença que mais mata por suicídio[1]. E foi me adaptando a essa doença e a tratando que cheguei ao tema central da criação deste trabalho.
O Carpe Noctem: Protótipos de Sobrevivência Suicida[2] não surge somente para sanar um pulso de criação artística, ele surge para uma tentativa de criação de estratégia de sobrevivência defronte a pensamentos e tentativas suicidas. Ele surge para a criação de um espaço laboratorial de tentativa e erro para se explorar a autodestruição, expurgo, pulsões de morte e vida. Percebemos um desejo latente de viver frente a morte quando o teatro se torna ferramenta, meio e falar se torna propósito. E é sobre a parte dramatúrgica deste processo que se dedica esse artigo[3].
Eu iniciei com uns textos e poemas soltos no bloco de notas do celular. Movida pelos picos de energia de madrugada, ativação ou hipomania noturna[4], sintoma muito característico da bipolaridade. No início do trabalho, potencializado por um término de relacionamento que determinava uma média de três ataques de pânico por dia e pensamentos suicidas que carcomia minha mente, instaurou-se uma urgência da minha parte de falar do combo: amor e tentativas de ‘desvida’. Escrever não tinha somente um desejo de realizar um trabalho dramatúrgico, mas também era uma válvula de escape de alguém que necessitava de um espaço seguro para gritar.
Eu já brincava com isso antes, a pesquisa da escrita em surto não se iniciou nesse trabalho, mas sim em uns quatro anos de escrita desconexa em páginas manchadas de sangue, quadros alucinados e outras estripulias. Eu descrevia e detalhava cheiro, sabores, cores e sensações de pensamentos intrusivos, imagens incisivas, alucinações, sonhos dormindo e acordada. Repetia frases em cima de frases até … quem sabe … apagar.
Eu fui abrindo esses textos iniciais com muita timidez para as demais pessoas do grupo. Neste momento nossas diretrizes não estavam bem definidas. E foi por meados da virada do segundo mês de trabalho em que eu me vi parada, sentada em surto numa das beiradas mais altas do velódromo do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP), em guerra com a minha mente para não pular, que eu decidi retornar às minhas medicações psiquiátricas. Havia 6 meses que eu havia interrompido o tratamento após a primeira tentativa de autocídio… E dessa vez eu não tinha efeito colateral de remédio para culpar. E é aí que entra algo importante para a escrita deste trabalho. Não adiantava voltar às drogas com receita se eu não dormisse. E sem nenhuma aprovação da minha psiquiatra eu voltei a usar os remédios para dormir de minha mãe: Hemitartarato de Zolpidem. Por conta de seus efeitos colaterais de sonambulismo e amnésia, ele me faz ficar acordada e ativa enquanto eu… durmo, assim nasce a figura da ‘Operadora noturna’, nome que eu dou para mim mesma nesse estado e, a cada dia que passa, vem se configurando cada vez mais como um alter, apesar de meu esforço para sermos uma coisa só ou um somente episódio bizarro de Rick and Morty[5].
Eu durmo enquanto mando e-mails, faço declarações de amor e ódio, faço trabalhos da faculdade, converso com pessoas de maneira vexatória, me inscrevo para tudo aquilo que quero e não tenho coragem, me dou presentes de compras inúteis mas que sempre quis e escrevo. Às vezes ela, a ‘Operadora Noturna’ me avisa pelos lembretes do celular se tem algo importante. E por mais que afete as minhas funções cognitivas é como se eu me comportasse como uma pessoa normal. Drogada, mas normal. O processo de trabalho descrito adiante foi descoberto de maneira completamente acidental: eu tomo remédios para viver com um mínimo de dignidade, aprender a criar fazendo uso deles é uma dinâmica obrigatória para mim.
Eu já me forçava a escrever para abaixar a energia e conseguir dormir, somado isso ao Zolpidem e ao quanto eu pensava no processo, foram surgindo pequenos poemas no meu bloco de notas do meu celular quando eu acordava. Eu passei a levar esses textos para ler com o grupo, e com o tempo eu parei de ler antes sozinha e todos liam pela primeira vez juntos. Mas a verdade é que fazer um xerox do seu inconsciente nem sempre é produtivo.
Saíam textos e mais textos sobre coração partido, cenas escritas sobre coisas que eu vi no dia anterior, lembranças, carta para ex namorado, poemas sobre a minha casa ou simplesmente uma lista de compras e ofensas para alguém que vinha me aporrinhando. Mas nem tudo era descartável. Foi através do acaso que eu decidi tentar explorar o que sairia dali como metodologia de criação. Foi lendo o que surgia que comecei a perceber um padrão entre aquilo que eu havia passado no meu dia, sobre os pensamentos que eu tinha antes de dormir, e as coisas que eram escritas.
Comecei a experimentar formas de orientar essa escrita pelos ensaios; a pesquisar, durante o dia e antes de dormir, temáticas para aparecer na escrita, quase como uma tentativa de orientação do que faria em sonambulismo. Mas para além de fomentar minha imaginação, eu estava completamente imersa no processo criativo com a função de dramaturga, diretora, produtora, performer e tudo mais que o suprassumo do que o acúmulo de funções que o teatro de grupo pode permitir para uma maníaca. Eu vivia em função disso, eu não pensava mais em outra coisa. Se meu cérebro estivesse afundado no Carpe Noctem, meu subconsciente, por consequência, também estaria. Eu não lia mais sobre qualquer outra coisa, estava constantemente fomentando discussões nos ensaios com escuta aberta como diretora, mergulhada em referências. E nessa altura eu retomei algo que eu já sabia, que mesmo com o estado alterado, minhas atitudes e pensamentos não se alteravam com o uso da droga. Ler sobre os assuntos que eu gostaria de alcançar antes de dormir e pensar ativamente sobre o processo de escrita acordada me tirava ou, pelo menos, abria buracos no véu amnésico do remédio. Inclusive me fazendo lembrar de coisas quando lia o que tinha escrito.
Fundindo pesquisa à minha pessoalidade, essas poesias pintavam uma narrativa ficcional em minhas lembranças, às vezes exatamente como elas eram: com a descrição de cores, cheiros, detalhes, ambientações, por vezes misturando histórias criadas em cima de memórias. Com a prática, eu passei a conseguir dizer o que eu queria falar, seguindo as discussões do grupo. Eu ministrava exercícios que me auxiliavam a direcionar a escrita: as imagens criadas nos ensaios e a imanência deles no meu corpo deixavam as coisas orgânicas. Até esse momento as coisas que saíam estavam soltas, como em um amontoado de recortes, textos soltos que não se interligavam entre si. Foi quando fiz a escolha de montar uma espinha dorsal do texto, uma linha, mesmo que abstrata, que me levasse de um lugar ao outro.
Propus um exercício ao grupo, no qual cada pessoa trazia algo que julgava importante ser dito. Eles tiveram parte ativa mesmo que a escrita não fosse deles. Pedi que imaginassem o que queriam da peça, dissesem palavras relacionadas à primeira coisa que viesse à cabeça – já estávamos pesquisando os temas: festas e saúde mental. As explicações extensas eu pedia que elencassem em palavras-chaves ou tópicos. Ia fazendo provocações iniciais como: o que você faz numa festa? O que precisa mobilizar para estar em público? Saíram desde coisas como se arrumar e chapar até posso ouvir as vozes do apocalipse, sacrifício, expurgo, mandar a fogueira ao céu, ressuscitação, bolinha verde, consenso, morte do trabalho. Eu organizei tudo em uma linha pseudo coerente. E nos próximos ensaios discutimos tópico por tópico, abrindo para mais ideias, palavras soltas, imagens. O que era uma palavra foi se tornando parágrafos e desenhos. E eu ia aglomerando onde havia alguma similaridade aparente. Eu me contaminava, nutria, afogava, saciava, envenenava, fertilizava. Enquanto na madrugada escrevia, escrevia e escrevia coisas cada vez mais próximas com o que estávamos realizando em sala de ensaio. Acordada ainda na tentativa de formar uma linha eu transformei as discussões em fluxograma seguindo uma ordem, a partir dele passei a encaixar os textos que havia escrito onde achava pertinente. Onde havia buracos eu podia continuar buscando formas de me orientar para escrever dormindo. Isso tudo fazia sentido para mim em alguma instância, e havia a proposição de uma dramaturgia surrealista e, apesar de tudo, fomos criando uma cola consistente que trouxe alguma coerência ao trabalho.
Depois de um levantamento de uma massa de textos difusos – alguns conexos, outros não; alguns seguindo a estrutura, outros não, eu me deparei com uma dificuldade estrutural. Foi um momento onde a dramaturgia ficou refém da sala de ensaio. Meus textos não seguiam uma estrutura dramática convencional. Em termos de forma, eles se apresentavam em conto e poesia e não em drama. Não compunham personagens.
Em termos de direção, quando levava os textos brutos para propor exercícios cênicos havia muita rejeição por parte dos performers. Já que meus textos vinham com palavras pela metade. E acabavam do nada, já que eu sempre acabava de fato dormindo. Como diretora para lidar com a rejeição percebi que se não encontrasse soluções o trabalho acabaria sendo paralisado. O texto não era comprado por eles, seja para levá-lo integralmente à cena ou para partir dele para outra coisa. Eu precisava alterar o formato. E esse foi um dos pontapés para eu entender o que seria descartado e o que iria permanecer.
Assim aconteceu a primeira a adaptação. Eu passei a dividir as falas entre coro e narrador, para encontrar como dividir o texto entre as pessoas, assim como as poucas frases dramáticas. Quando levei o primeiro texto neste formato, o ensaio tomou outro patamar. E foi nesse ensaio em que eu comecei o trabalho de desapego, a forma se diversificou e eu passei a atuar na máxima “escreva chapada e revise sóbria”.
Uma das cenas chegou neste formato de coro e narrador até o trabalho final. Outra, eu fui dissecando, a partir de uma experimentação, elencando as frases mais importantes e foi tentando extrair o lírico do narrativo que eu consegui a forma final.
Outra surgiu da provocação: me traga o que não está no texto. O que falta? Quais são os buracos que não existem nessa narração? Negar o texto permitia que surgissem ali questionamentos semióticos ao texto, à peça e ao teatro que iriam para a própria dramaturgia. O imaginário composto pelo grupo nos compartilhamentos anteriores estava presente em todos os aspectos do que estava sendo feito e por mais que trabalhasse enquanto diretora, enquanto dramaturga só me restava sentar, assistir, gravar, reescrever.
Teve cena que foi improvisada, transformada em canovaccio, experimentada, reescrita de acordo com as falas usadas em cena, improvisada, reescrita. Uma das cenas já foi escrita em formato dramatúrgico, outra era um texto de oito páginas completamente lírico que eu usei como ossada posterior para costurar os outros textos escritos por mim (e a parte textual dos workshops trazidos pelos performers) na hora de montar o texto final. Enquanto isso, eu continuava escrevendo de madrugada.
Um dos pontos que me foram levantados pelo grupo era a questão dos personagens. De começo eu brincava que os personagens eram as vozes da minha cabeça. Depois fui tentando formar arquétipos para o trabalho de sala de ensaio (A puta, A revoltada, A gay, A suicida, A bruxa), juntamos quase que um panteão em torno de cada figura, indo desde entidades religiosas a figuras da literatura, ou do imaginário popular. Essa ideia foi abandonada ao longo do processo, mas me ajudou muito quando eu fui separar as falas dessas oito páginas. Eu fui separando as falas de cada personagem em páginas separadas e vendo se elas faziam sentido naquela construção, depois, quando juntei tudo num mesmo documento, as separações formavam verdadeiros diálogos com pequenos ajustes.
Nessa altura do campeonato a ‘Operadora Noturna’ continuava escrevendo e começou a enviar poemas aleatórios para pessoas no WhatsApp, descobrindo isso, eu passei a enviar mensagens para as pessoas sobre o que estava fazendo e pedindo para ignorarem as mensagens na madrugada. Algumas provocavam e respondiam. E eu arrastava declarações de amor e ódio, conselhos sobre a vida. Muitas vezes trocando o sexo da pessoa e respondendo dentro do imaginário construído dentro da minha cabeça.
Lá para o sexto mês de processo, eu defini um chega! Eu me deparei com mais de 50 páginas de texto bruto (eliminado o que não estava dentro da temática e descartes como lista de compras), junto com diversas gravações de ensaio. Já tinha mais de mês que eu estava tentando descobrir o que fazer com isso. Até que eu decidi pedir ajuda.
Para fechar o formato do texto dramatúrgico, o auxílio da Beatriz Viviane foi importantíssimo. Sentamos com todo o texto impresso e fomos recortando e colando parte por parte à mão. Separando falas que eu não havia conseguido separar. Pensando o que vinha antes e depois. O fluxograma proto roteiro, nesse momento, foi fundamental para nos guiarmos. E uma vez mais estruturados, pudemos parar e olhar para as sobras. E haja sobra, viu?
Textos em surto, no caderno em páginas manchadas de sangue, frases soltas que, de uma certa forma, norteiam muita coisa e foram encontrando lugares para elas dentro da peça. Junto à lista em ordem das medicações que tomei na vida, fomos desmembrando frases desses outros poemas, parágrafos que diziam coisas por si só formando novas cenas. Assim, o texto tomou sua primeira forma.
Levamos o texto de volta para a sala de ensaio. Com as linhas de ação mais desenhadas, eu pude ver através do chão de palco as falas ganharem sentido, onde muitas vezes os próprios atores falavam, isso não cabe na minha boca e sim na boca de fulano. Quando a minha divisão não tinha coerência para eles, virava uma verdadeira loteria de falas. Quem tem o melhor argumento para ficar com cada coisa.
Algumas figuras foram aparecendo como a mulher de duas cabeças, o rei da festa, o monstro, o zelador, a bruxa, a suicida, figuras que estavam muitas vezes só sendo citadas na dramaturgia foram ganhando cara na encenação. Algumas foram sendo identificadas, e por mais que não aparecem nem no texto nem na apresentação permeiam a nossa imaginação tomando seus espaços e determinando delimitações.
Uma vez com ele organizado na minha frente digitalizado na minha frente. Acordada, sóbria e, às vezes, lúcida eu pude ler, reler, cortar o que estava sobrando e adicionar algumas coisas. Nesse processo, eu tomei muito cuidado para não me trair. E espero ter feito isso o mínimo possível. Quando realmente discordava de algo que a ‘Operadora Noturna’ estava escrevendo, eu inseria mais falas no diálogo, como uma conversa com ela, mas sem nunca censurá-la em conteúdo. Como no exemplo evidenciado:
F- Você sabe qual é minha maior virtude? – Escrita da “Operadora Noturna”
B – Não (F termina a fala de B) – Campo de negociação meu.
F – Sou mulher pra casar! – Campo de negociação dela.
M – Eu quero viver para sempre na minha casinha com meus futuros filhos – Escrita da “Operadora Noturna”
B- Cuidar sempre foi função de mulher – Escrita Minha
F- Meu corpo tem que ter febre pro meu coração sofrer por amor. Quanto dura para o casamento acabar com o amor? Talvez depois do primeiro ou do segundo filho? – Escrita da “Operadora Noturna”
M- A esperança tem cheiro de cabeça de criança. Eu perdi as contas de quantas vezes acordei na minha cama esta noite – Escrita da “Operadora Noturna”
Assim terminei a escrita e finalizamos o trabalho. Para finalizar este artigo realizei uma experiência, que foi utilizar a metodologia para falar da metodologia. Tentei fazer a ‘Operadora Noturna’ falar sobre seu processo de escrita. E assim ficou:
Acabei de ingerir 600 mg oxcarbazepina, 5 mg de zolpidem sublingual e algumas gotas de neozine, rotina diária. Mas não vou dormir estou aqui para dar voz para quem escreveu o Carpe Noctem. A máxima é por que o Carpe Noctem? Acredito que não faço mais isso com a intenção de nada, fazer arte se tornou minha principal válvula de sobrevivência desde que eu decidi não amar. Esse trabalho começa com um coração partido. Não existe nada de inovador aqui. Mas também não se trata da superação de um coração partido. Se trata da necessidade dos loucos fazerem arte para sobreviver. Esse é realmente o único amor capaz de manter o louco vivo. Não me venha com ladainha de que bipolaridade não é loucura. Eu não entendo uma mente que claramente está desencaixada implorando para se aparentar não estar.
A intenção aqui é poder escrever sem pudor. Não me pergunte da ação do remédio no meu cérebro. Eu comeria um Miojo com leite agora. Eu quero falar o que eu sinto escrevendo aqui. Eu sinto que o fardo de ter uma mente que tudo racionaliza é deixada em segundo plano para que eu que tudo sinto falar. A poética nasce quando sonhando a intensidade das lembranças se tornam palpáveis, elas não são reais, mas são muito mais bonitas. Aqui agora tudo já bateu. E é assim que eu me sinto quando escrevo assim, dopada? Sim. Puta de terem me imbuído essa função? Mas uma coisa é se minha missão fosse ser o mais honesta e sincera com as minhas palavras assim como sou com a minha vida, esse estado é o que está melhor apto para fazer isso. Aqui não existe vergonha de falar, nem maneirismos. Eu não me importo com quem vai me ler. Nem de escrever palavras bonitas, aqui é o limite do eu quero que se foda e eu vou fazer o que eu quiser, sim criaram esse alter para mim, mas eu não sou um alter. Eu e alana somos a mesma pessoa. Acreditamos que eu sou seu inconsciente. Afinal ela já está dormindo. Ela se preocupa se vai ou não vai chocar, qual é o efeito em seu leitor. Eu só penso em falar, falar para que essas palavras não fiquem presas dentro dela, para que ela se lembre dessas lembranças. Do que a gente viveu juntas e que eu sei aqui do outro lado. Ela me orienta sobre o que fazer me dá conteúdo para costurar com suas lembranças que ela nem da atenção. Eu vomito tudo de forma que ela não se esqueça que ela é. Eu falo o que ela precisa ouvir. So não sou muito clara com isso
Talvez ela não entenda nem que eu não quero dormir sozinha. Aqui eu escrevo o que eu quiser. O que eu quiser mesmo. Eu não ligo pro artigo. Minha prioridade é meu Miojo com requeijão. Agora comida eu penso que o que eu to passando é uma enxurrada de palavras elas vem sozinha na minha cabeça e eu tenho que conseguir digitar na mesma velocidade que elas vem. É claro que eu tô com sono e zonza. O que eu acho engraçado é que não tem nenhuma novidade nisso, não é nem um pouco inovador. Inúmeros artistas usam esse tipo de recursos para fazer arte. Acho que ela só quer me dar uma função para que o fato de eu gostar de dormir de conchinha não mude tanto a vida dela. Eu queria escrever poesia e não isso. Parte das festas da dramaturgia veio de uma lembrança minha chapada de doce na ocupa ouvidor 63, meu amigo cheirado entrou na nóia que estava perdendo tudo eu só subia e descia aquelas escadas como uma maluca, eu consigo acessar essas memorias de forma tao vivida, assim como o desprazer de todas as vezes que ela surta antes de algum evento social, é assim que nasce a cena 2, ela tentou escrever depois do ataque de pânico, fobia social que se chama. Eu consigo reviver tudo e escrever sem machucar ela. Sem falar das inúmeras vezes que ela não saiu de casa e ficou agachada no banheiro chorando e chorando raspando a cabeça so pra sentira a lamina cortar a pele. e ela tentar sair…. às vezes ela consegue.
Como ter as pessoas erradas do lado dela so atrapalhou tudo isso. Eu não sei se a música que eu tô ouvindo lá fora é de verdade ou de mentira. Falar sobre carpe é falar sobre um grito desesperado de quem não é ouvido por si mesmo. Escrever o carpe foi vomitar palavras que me corroem por dentro não é inovador muitos artistas precisam disso para sobreviver, não é terapia por que não vai curar ninguém. É so mais um dia, so mais um dia, eu só tava cansada de correr de mim mesma, de segurar essa poesia no peito essa poesia que dói. Bipolares existem para dominar o mundo e dói muito quando temos que nos contentar com a paixão e nos apaixonamos para sobreviver. Estar aqui e já está tendo alguns delírios pessoais é entender que a realidade não existe e a ilusão é mais bonita que a vida. Logo minhas palavras são bonitas por que elas não existem dormindo as mulheres são mais magras os homens mais fortes o sol mais brilhante o gosto mais doce e os cheiros mais suaves. e o amor resplandece em ardentes paixões de mentira. O carpe ta vamos voltar para o carpe. Ou eu escrevia essas palavras ou elas iam ficar lá presa na cabeça dela as sufocando o dia inteiro, atormentando. Uma festa surgiu do processo de meu colega de grupo … lembrei da festa mais fodida consegui acessar e que mais tinha a ver com nosso trabalho, peguei detalhes e transformei em poesia. A briga com o tempo é um negócio legal. Porque minha sensação sob o efeito desse remédio é que realmente o tempo morreu. Não me importa o que você vai fazer amanhã. Você vai ter dormido de qualquer maneira… estamos suspensos.
Como é escrever? Um sono do caralho…. Um dos pontos de escrever por necessitar gritar é que parece que todo mundo tem que ter uma válvula de escape e nós não conhecemos muito bem as nossas a gente simplesmente se fechou em uma casca tão dura e tão forte que nada passa por ela vou fazer algo que ela nunca fez ascender um cigarro em seu próprio quarto. Tudo com um cigarro aceso vira um completo deleite eu consigo ouvir a delicadeza das letras e o sabor do solo de guitarra ele tem gosto doce meus sentidos estão completamente trocados esse quarto está uma bagunça, você já entrou no quarto de uma pessoa com transtorno metal n]ao é uma bagunça qualquer o carpe pode ser qualquer coisa mas ele e extremamente honesto e eu sangre e muito por ela dói colocar essas palavras no palco dói que essas palavras sejam lidas. Talvez no fim das contas tudo isso seja mesmo sobre dor. a dor que nos faz desistir e que nos mata e que catalisamos e vomitamos para continuar vivos. Com certeza, não somos os primeiros a chegar a essa conclusão. Com certeza, não somos os primeiros a fazer isso. Mas ainda estamos vivos, ainda estamos. Eu não sei o que esperavam que eu escrevesse aqui…
falar sobre jarry artaud e os outros pinoias que usaram o que tinham a disposição pra não deixar que suas mentes não os corroessem que chaparam pra trabalhar. Isso tudo é tão clichê. Só quero continuar acordando feliz.
Referências
MEDEIROS, Tainah. Transtorno bipolar é a doença que mais causa suicídios. Drauzio Varella,Disponível AQUI. Acesso em: [24/10/2024]
Notas de Rodapé
[1] Medeiros, Tainah cita a presidente da ABTB Associação Brasileira de Transtorno Bipolar Scippa, Ângela em matéria no site Drauzio Varella.
[2] Carpe Noctem: Protótipos de Sobrevivência Suicida é uma peça teatral realizada pelo Coletivo Rataria em 2024/2025, foram realizadas pesquisas sobre metodologias de trabalho com pessoas portadoras de transtornos mentais (bipolaridade e depressão). Desenvolvemos a criação do nosso espetáculo a partir do processo colaborativo, que também compôs as pesquisas para o trabalho de conclusão de curso da autora no Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo. É sobre a criação dramatúrgica deste trabalho que se trata este artigo.
[3] O grupo de pessoas que trabalhou comigo neste projeto no Coletivo Rataria foram os performers: Beatriz Viviani, Bruno Maldegan, Fernanda Ramos e Maviael Félix.
[4] Ativação ou hipomania noturna consiste em um aumento de energia e atividade na parte da noite, impedindo que o bipolar descanse. Elevando o humor o tornando eufórico ou irritável, desencadeando insônia e sono agitado.
[5]Me refiro aqui ao episódio 4 da temporada 6 da animação Rick and Morty intitulado ‘Família Noturna’, onde através de uma invenção tecnológica eles passam a controlar seus corpos sonâmbulos enquanto dormem. Durante o episódio os “Eus Noturnos” dos personagens iniciam uma guerra com personagens acordados por eles não enxaguar os pratos depois de comer.




























