#21 Ruínas ou Reinvenção? | O Picadeiro e a Fênix

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Arte – Rodrigo Sarmento
Por Suenne Sotero
Circense, produtora e gestora cultural. Doutoranda em Artes (Unesp), Mestra em Artes da Cena (ESCH) e Graduada em Artes Cênicas (UFPE), com aperfeiçoamento em Gestão de Projetos Culturais e Empreendimentos Criativos (SENAC-DF)
“O novo foi e é um dos elementos constitutivos do processo histórico da arte circense” (Ermínia Silva, 2009 p.180)
Respeitável público, com o coração pleno de orgulho e a alma em reverência, as artes circenses tomam este espaço de reflexão como quem adentra um picadeiro sagrado. É o circo, muitas vezes, o primeiro sopro de arte e cultura que toca a vida de tantas pessoas. Que este palco se faça abrigo para saberes e práticas cultivados e reinventados dia após dia. Que este encontro fortaleça os laços entre o circo e as demais artes da cena, celebrando uma convivência fecunda e cheia de possibilidades.
Quando o Circo chega a uma cidade, tudo muda! As crianças vão às ruas e a subida da lona é aguardada com muita atenção. O carro de som anuncia horários, preços e promoções. Artistas começam a se organizar em suas casas-trailers. Certa noite, quando toda a estrutura está montada, as luzes das gambiarras se acendem e uma música da moda principia a tocar, começam as filas, o cheiro das comidas típicas, crianças levando adultos, expectativas. Por volta das 20h30, a função é iniciada.
Após 45 minutos de apresentação de habilidades variadas, é hora do intervalo: mais pipoca, algodão doce, cachorro-quente, maçã do amor, churros, mas também fotos e vendas de brinquedos, chaveiros e souvenirs. A segunda parte do espetáculo, não menos emocionante, pode ser composta de números de habilidades, como o globo das motos, resultando em um gran finale impactante; e de shows inspirados em produções cinematográficas atuais, como Frozen, Moana, Carros Transformers, Mickey, Patrulha Canina etc – os famosos bonecos de cabeção[1], tão controversos, mas por vezes tão necessários.
Circo itinerante de lona é, dentre tantas coisas, isto: palhaças, palhaços, trapezistas, malabaristas e equilibristas que, por vezes, arriscam suas vidas, provando que tudo que é posto pode ser desafiado e superado. Lugar onde não há limites! Famílias inteiras, com todas as suas gerações de pessoas adultas, jovens e crianças no picadeiro, mas também atrás das cortinas, na bilheteria, nas barracas de comida. Polivalência. A arte ancestral se repete e se recria todas as noites, reinventa-se, encanta, faz sorrir, faz chorar, faz perder o fôlego.[2]
A Fênix
E o que o Picadeiro (símbolo circense) e a Fênix (símbolo de renascimento) têm em comum? Uma manifestação artística e um mito encantado.
Fênix, ave mítica que arde em fogo e renasce das próprias cinzas. Seu mito ecoa em diversas culturas. Seu voo atravessa séculos, continentes e cosmovisões.
Segundo o Dicionário Aurélio, Fênix, substantivo feminino, na Mitologia, trata-se de uma “ave extraordinária, de espécie única, que, supostamente, após viver trezentos anos, ardia em brasas e, logo em seguida, renascia das próprias cinzas.” No sentido figurado, ainda segundo o dicionário, é “pessoa superior, única em seu gênero: a fênix dos belos espíritos.” Já na Zoologia, designa uma variedade de galo do Japão cujas penas caudais atingem comprimentos extraordinários. A etimologia da palavra é incerta, mas seu significado é cristalino. Algumas literaturas situam sua origem no Egito Antigo. Figura ancestral, de plumagem reluzente e alma cósmica, a Fênix teria sido incorporada à mitologia grega como símbolo de imortalidade e transfiguração. Ao longo dos tempos, o pássaro mítico foi reinterpretado inúmeras vezes, sem jamais perder seu sopro de eternidade.
Na Grécia, chamava-se fênix. No Egito, Benu. Na China, Fenghuang. Garças, faisões, águias, galos e outras aves de distintos reinos e geografias corporificam essa mesma essência: um arquétipo universal da criatura que morre para renascer. Todas evocam traços recorrentes — cor, grandiosidade, força, altivez, longevidade, fogo, cinzas e renascimento.
A Fênix poderia viver séculos ou milênios, segundo algumas tradições. Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., afirmava que sua existência se estendia por nove vezes o tempo de vida de um corvo, ave já notória por sua longevidade. Outras fontes mitológicas mencionam ciclos de até 97 mil anos. Sua plumagem reuniria tons vívidos: azul, vermelho, laranja, dourado e púrpura. E ela voa — não apenas voa, como carrega o mundo nas costas. Em certos relatos, sua força é tamanha que transporta elefantes. Não precisa de par, nem de rebanho. A Fênix é única. Uma só em sua espécie. Autogerada em pleno voo ou entre brasas. Autossuficiente. Desafia a lógica do comum. O fogo é seu elemento essencial. Ao pressentir a morte, constrói sua própria pira feita de mirra, cinamomo e nardo, e se consome em chamas. Das cinzas, surge outra. Ou talvez a mesma. Fogo que destrói, mas também cria. Renasce onde a morte é consciente de si.
Se no picadeiro se materializa uma arte que se reinventa ao longo do tempo, a Fênix é sua metáfora viva das Artes Circenses? Ambas compartilham a potência de transfiguração diante da finitude. Uma arte que resiste, renasce e uma ave que retorna entre ruínas e reinvenções.
Ruínas e Reinvenções
Nas artes da cena, a provocação sobre ruínas e reinvenções encontra forte ressonância. Há diferenças entre as linguagens, mas também muitas interseções. No caso do circo, essas questões também se colocam, ainda que de modo particular. E quando falamos dos que itineram sob lonas, a reflexão acerca de sobre ruínas e reinvenções se torna ainda mais específica, pois essas dimensões atravessam não só a cena, mas a própria lógica de existência e permanência dessa prática.
Neste segmento circense, a arte pode ser considerada extensão da vida. O picadeiro é palco, mas também chão de treinos, espaço de confraternização e casa. A escala 24/7, talvez tão recente para outras linguagens, é realidade herdada nesse modo de existência e de fazer artístico. Sob a lona, o circo é vivido 24 horas por dia.
As lonas de circo são equipamentos singulares, em constante circulação, que abrigam casas-trailers, caminhões-casa, residentes, espaço de trabalho, comércios, artistas, público visitante e uma rica diversidade de saberes e práticas. Nessa organização particular, as fronteiras entre casa e trabalho se diluem. Inspirando-se nos estudos de Roberto DaMatta sobre a tensão entre casa e rua, o circo assume, em muitos momentos, o papel de casa: espaço íntimo, privado e afetivo, onde prevalecem vínculos familiares, hierarquias internas e relações de confiança.Mas também se torna rua: espaço de convivência pública, onde a plateia é acolhida no território íntimo para assistir às apresentações e onde se tecem relações de trabalho. Assim, o circo encarna cotidianamente essas categorias estruturantes da experiência social brasileira.
As ruínas evocadas na cena contemporânea – teatros esvaziados, mercados exaustivos, editais estreitos – o circo itinerante se impõe como metáfora viva da reinvenção. Em primeiro lugar, por ocupar historicamente uma posição de inferioridade na distribuição de recursos entre as linguagens da cena[3]. Tomemos como exemplo o último edital da Funarte – Fundação Nacional de Artes, vinculada ao Ministério da Cultura: o Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas 2025, na modalidade de fomento à execução cultural, contempla os segmentos de artes visuais, dança, música, teatro e circo. Focando nas linguagens da cena, observa-se que o circo recebeu um aporte total de R$3,5 milhões, enquanto a dança contou com R$4 milhões e o teatro com R$4,5 milhões. Quais os critérios para distribuição destes recursos? Quantidade de agentes culturais? Histórico de formalização e reconhecimento das linguagens? Alcance de público? Custo mínimo de viabilização? Talvez, critérios simbólicos devam ser levados em consideração quando se propõe a construção de Política Cultural, como correção de desigualdades históricas e diversidade de linguagens e expressões culturais. Porém, esta demanda exigiria profissionais com expertise na área, mas esse já seria um assunto para outra discussão.
Fato é que na Lei Rouanet, a captação depende da articulação com empresas, favorecendo regiões com maior poder econômico e grupos e projetos com mais visibilidade e alcance. As Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo avançaram ao prever repasses diretos e critérios de diversidade. Ainda assim, a necessidade de rever os parâmetros de distribuição, considerando os custos específicos de cada linguagem e promovendo maior equidade é necessária. A persistente desigualdade no repasse de recursos, ainda que todas essas linguagens compartilhem a complexidade de manutenção, formação e produção continuada, não leva em consideração questões de ordens reais, práticas e específicas de cada segmento.
O desafio de atrair público e a constante crescente de competitividade é um segundo aspecto considerável. Desde sempre em disputa com outras formas de entretenimento, do cinema ao streaming, o circo sobreviveu à lógica do “fim” com constante mutação: estética, estrutural e geracional. A formação artística e a profissionalização do fazer circense fora da lona é recente, data do final da década de 1970. O movimento passou a colaborar com o fomentado cenário circense, mas que também exerceram impacto direto nos campos político e educacional, contribuindo para uma nova configuração das relações de modo de aprendizagem, socialização e aprendizagem.
Nascimento
Não é possível precisar com exatidão o período de surgimento do que hoje se reconhece como espetáculo circense. Na Roma Antiga, o termo “circo” aparece associado ao Circus Maximus, estádio que abrigava as famosas lutas de gladiadores, mas também apresentações artísticas. Um nome frequentemente mencionado quando se trata das origens do circo moderno na Europa é o de Philip Astley, conhecido pelos números equestres. Alguns estudiosos destacam ainda o papel fundamental dos saltimbancos na consolidação do espetáculo circense tal como é concebido atualmente. Na América Latina, há pesquisadores que associam o ritual dos Voladores de Papantla como precursor das acrobacias aéreas, uma das expressões artísticas que integram o circo contemporâneo. Há diversas vertentes e manifestações que fornecem indícios para resgatar esta linha do tempo, porém, nenhuma narrativa histórica é possível promover esse resgate de forma precisa e definitiva.
Independentemente da imprecisão temporal de ambas as referências, Circo e Fênix remetem a uma ancestralidade perene, algo longevo que ainda habita o presente, embora já tenha existido sob muitas formas. Há tempos, passou a ser comum ouvir que o circo morreu ou está morrendo. Em minha opinião, o circo está vivo, forte e pulsante, talvez apenas distante dos olhos de quem afirma o contrário. Ele resiste e se reinventa nas ruas, teatros, escolas, presídios e tantos outros espaços. E o itinerante de lona, com sua potência nômade e comunitária, segue firmando território e mantendo viva uma arte que carrega memórias, saberes e desigualdades históricas. Isso diz muito sobre origens, pertencimento e questões sociais.
Cores e Formas
A arquitetura nômade se revela primeiramente na lona: superfície de cores primárias, fortes, vibrantes, como se quisesse destacar sua presença no mundo. Os formatos lineares, circulares e estelares, por vezes, traçam a identidade visual. Sobre a lona, cruzam-se as gambiarras, cordões de luz que riscam o ar com suas lâmpadas ora pulsantes, ora contínuas, acesas como promessas de espetáculo. São faróis de um tempo próprio, anunciando de longe: aqui há um circo! O picadeiro, coração da cena, pode erguer-se como palco ou repousar rente ao chão, sempre demarcado por uma circularidade que convoca o olhar. Arquibancadas e cadeiras contornam esse espaço-templo onde o rito do espetáculo acontece. Mesmo com as adequações contemporâneas, é possível reconhecer, na disposição dos elementos, uma poética resistente. A luz que dança em cores e movimentos, os brilhos de figurinos e maquiagens, as cortinas com suas franjas ondulantes, tudo compõem uma cenografia que celebra o fascínio e o encantado. A estética de muitos circos itinerantes de lona, reinventada ao longo das décadas, permanece como uma assinatura sensível: memória viva que se reinscreve a cada nova montagem.
Potências
O circo não apenas se move: ele carrega a si mesmo. Os circos itinerantes transportam em seus carretos, literalmente, o próprio mundo: lonas, arquibancadas, picadeiros, sonhos e trajetórias. Muitas vezes com recursos mínimos e em meio a adversidades. As pessoas que nele vivem e trabalham são responsáveis por transportar, montar, desmontar, armazenar, conduzir e adaptar toda a estrutura física, mas também as dimensões afetiva e simbólica que compõem seu fazer artístico. São saberes e técnicas que não dependem de muitas fontes externas para existir: artistas treinam uns aos outros, constroem seus próprios aparelhos, inventam modos de produção. Os circos possuem seus próprios engenheiros, que, mesmo sem diplomas, formam-se nas muitas subidas e descidas da lona; seus próprios produtores culturais, que articulam os deslocamentos e encaram as diferentes burocracias municipais a cada mudança de praça; mas também seus próprios gestores de comunicação, marketing e administração, que conhecem o valor da troca de convites e do retorno da venda de pipocas e algodões-doces para fechar o caixa do dia.[4]
O circo se autogere, se autoproduz e se autotransforma. Os de pequeno porte, mesmo à margem dos circuitos culturais institucionalizados, sobrevivem sem apoio efetivo do Estado, da crítica especializada, da academia ou do mercado formal. São considerados periféricos, mas seguem operando em rede, por dentro de saberes coletivos, silenciosos, quase invisíveis, mas que sustentam, o tempo inteiro, a engrenagem viva das artes circenses em movimento.
Fogo e cinzas
Em 7 de dezembro de 1961, a cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, foi palco de uma das maiores tragédias da história circense brasileira. No livro O espetáculo mais triste da Terra – O Incêndio do Gran Circo Norte-Americano, o jornalista Mauro Ventura narra os acontecimentos que culminaram no incêndio do referido Circo. Permanece um mistério envolto em fumaça e silêncio no que se refere à origem exata do foco do incêndio que jamais foi decifrada. Há controvérsias sobre o número real de vítimas, dada a dimensão da tragédia e as dificuldades no socorro. Segundo o autor, o então prefeito contabilizou oficialmente 503 mortes, e pouco mais de 800 pessoas feridas.
Naquela época, grande parte dos circos produzia suas próprias lonas com tecido de fibra de algodão, que, depois de cortado e costurado, era impermeabilizado com resina de parafina, substância altamente inflamável, inclusive utilizada em estado líquido para os números de pirofagia. A estrutura do circo, sustentada por madeira, tanto nas arquibancadas quanto na composição do espaço cênico, tornava iminente o risco de incêndio. Bastava uma faísca ou excesso de calor para que surgissem o fogo e as cinzas.
Verônica Tamaoki, em Centro de Memória do Circo (2017, p.133 – 134) observa que, até as décadas de 1960 e 1970, o conhecimento sobre montagem e desmontagem das lonas era restrito à comunidade circense. Foram também os próprios circenses que, diante das adversidades, passaram a empreender na fabricação de lonas com materiais mais seguros. Essas empresas se tornaram especializadas na produção de lonas plásticas com materiais antichamas, feitas geralmente com lona vinílica autoextinguível e certificadas por órgãos técnicos quanto à flamabilidade, tornando-se alternativas mais seguras para garantir a continuidade dessa estrutura.
Reencantamento
Retomando a problemática do desafio de atrair público diante da competitividade imposta pelos meios de comunicação de massa e pelos avanços tecnológicos, como o cinema, posteriormente a televisão e, mais recentemente, o streaming e os jogos digitais , o circo não apenas sobreviveu por meio de reinvenções, atualizações e de seu potencial criativo, como também passou a assimilar as inovações tecnológicas como ferramentas de divulgação, inserção e até mesmo como espaço de atuação para artistas circenses que neles passaram a atuar.
Mudanças se verificam na própria arquitetura circense, como mencionadas anteriormente em relação à produção das lonas. Outro exemplo de transformação estrutural é a substituição das arquibancadas tipo “poleiro”, onde tábuas de madeira mantinham o público em diferentes níveis para apreciar o espetáculo. Hoje, essas estruturas foram proibidas e substituídas, ora por arquibancadas com corrimão, guarda-corpo e acesso seguro, ora por cadeiras dispostas ao redor de picadeiros elevados.
As mudanças estéticas também acompanharam os contextos de cada época. Por isso, a inclusão de personagens de “cabeção” é estratégica, faz parte do diálogo com a contemporaneidade, na medida em que visa atrair crianças que reconhecem esses personagens a partir de conteúdos audiovisuais.
Há também rupturas significativas nos processos de formação, socialização e aprendizagem do fazer circense que, a partir do final da década de 1970, com a criação das primeiras escolas de circo no país, passaram a ocorrer também “fora da lona”. Esses novos espaços de formação possibilitaram novos modos de transmissão de conhecimento, que já não se sustentam exclusivamente na oralidade e no contexto do circo-família. Nesse novo cenário, as artes circenses encontraram outras formas de itinerância ou não-itinerância, bem como diferentes ocupações dos espaços públicos e novas relações trabalhistas. A cadeia produtiva e criativa do circo vem se fomentando cada vez mais. O circo se renova a cada dia, produzindo um espetáculo único para cada público, extremamente conectado com determinada praça, povo, comunidade. Dentro da vasta gama de expressões circenses existentes na contemporaneidade, os circos de lona funcionam como poderosos terreiros de memória e criação, onde tradições são preservadas e reinventadas, cultivando um espaço de troca e resistência artística que transcende fronteiras geográficas e temporais.
Eterno recomeço
Nessa intersecção entre fênix e picadeiro, há diversos aspectos simbólicos que os definem. Ambos carregam símbolos, uma na sua existência fantástica; outra, na sua fantasia real, concreta. Ora opostos, ora similares.
Fênix, metáfora viva daquilo que não desaparece, mas se transmuta. Aquilo que, mesmo vencido pelo tempo ou pelas ruínas, retorna, renovado, pulsante, ardente. O mesmo pode ser dito do picadeiro, que ainda não sendo criatura fabulosa, é palco de um símbolo potente da vida chamado circo, que insiste, resiste e se reinventa, mesmo sob cinzas.
As arquibancadas podem não lotar, mas o espetáculo segue, afinal, aquele espaço também é morada. A reinvenção talvez não seja escolha, mas sim condição. A precariedade atravessa constantemente a cena, mas romantizá-la silencia as urgências de quem persiste. Muitos circos de pequeno porte acabaram, sobretudo na pandemia. Outros seguem à margem, fora dos grandes centros urbanos, esquivando-se das exigências burocráticas governamentais. Mas há também renascimentos. O circo de lona personifica essa capacidade de recriar-se dia após dia, de sustentar um fazer artístico que se ancora na coletividade e na ancestralidade do movimento. Ainda existe espaço para reinvenção. No circo, talvez ela seja a própria linguagem.
Referências
ABREU, L. A.; SILVA, Erminia. Respeitável Público… O Circo em Cena. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009.
DAMATTA, Roberto. A casa & a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FUNARTE. Disponível em www.gov.br/funarte/pt-br/editais-1/2025/programa-funarte-de-apoio-a-acoes-continuadas-2025. Acesso em 21 de julho de 2025.
Ferreira, A. B. de H. (n.d.). Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Disponível em: https://www.dicio.com.br. Acesso em 18 julho de 2025.
LOPES, Daniel de Carvalho; SILVA, Erminia; BORTOLETO, Marco Antonio Coelho. Dentro e fora da lona: continuidades e transformações na transmissão de saberes a partir das escolas de circo. Repertório, Salvador: Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, v. 23, n. 34, p.142-163, 2020.
SOTERO, Suenne. E o Circo, o que é? A perspectiva de mulheres na gestão de circos de lona em Pernambuco e na Paraíba. Dissertação (Mestrado em Artes da Cena) – Escola Superior de Artes Célia Helena, São Paulo, 2024.
TAMAOKI, Verônica. Centro de Memória do Circo. São Paulo: SMC, 2017.
VENTURA, Mauro. O espetáculo mais triste da terra – O incêndio do gran circo norte-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Indicações de Leitura
AVANZI, Roger; TAMAOKI, Verônica. Circo Nerino. São Paulo: Selo Pindorama Circus/ Editora Codex, 2004.
CAMPBELL, Joseph; MOYERS, Bill. O poder do mito. 28ª edição. São Paulo: Palas Athena, 2010.
CIRCONTEÚDO. Disponível em: www.circonteudo.com. Acesso em 18 julho de 2025.
GARCIA, Antolim. O Circo. São Paulo: Edições Dag, 1976.
INFANTINO, Julieta (Org.). A arte do circo na américa do sul: trajetórias, tradições e inovações na arena contemporânea. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2023.
MANDELL, Carolina Hamanaka. Circo: risco, performatividade e resistência. São Paulo: Sala Preta, 2016.
ROCHA, Gilmar. A magia do Circo: etnografia de uma cultura viajante. Rio de Janeiro: Lamparina & FAPERJ, 2013.
SILVA, Erminia. Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil. 1. ed. São Paulo: Altana, 2007.
TAMAOKI, Verônica (Org.). Diário de Polydoro. São Paulo: Centro de Memória do Circo, 2020.
VEIGA, Guilherme. Ritual, risco e arte circense. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.
WALLON, E. O Circo no Risco da Arte. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
Notas de Rodapé
[1] Personagens ou bonecos de “cabeção” são artistas que vestem figurinos com cabeças grandes e desproporcionais aos corpos, representando personagens como Mickey, Patrulha Canina, Transformers, entre outros. Já personagens como Frozen e Moana utilizam figurinos completos com perucas, sem o uso das cabeças gigantes. Ambos os tipos são comuns em espetáculos e festas infantis.
[2] Trecho retirado da minha dissertação de mestrado intitulada “E o Circo, o que é? A perspectiva de mulheres na gestão de circos de lona em Pernambuco e na Paraíba”, defendida na Escola Superior de Artes Célia Helena, em 2024.
[3] Durante a defesa de minha dissertação de mestrado, a pesquisadora Galiana Brasil, membro da banca avaliadora, pontuou de forma contundente a assimetria na distribuição de recursos e a hierarquização das linguagens nas Artes da Cena, cujos efeitos se estendem desde as instâncias federais até instituições privadas. Ao problematizar a tentativa de se tratar de forma equânime segmentos que partem de condições desiguais, tanto em termos de estrutura quanto de reconhecimento, Galiana fez uso de uma expressão particularmente significativa: o Circo enquanto apêndice das Artes Cênicas, que se tornou mote para a escrita desta reflexão.
[4] O que se questiona aqui não é a permeabilidade e o diálogo presentes na constituição dos saberes circenses, mas sim a recorrente valorização do saber formal e acadêmico em detrimento daquele que é empírico e popular. Como destacam Daniel de Carvalho Lopes, Erminia Silva e Marco Antonio Coelho Bortoleto, no artigo publicado na revista Repertório da UFBA, “todo e qualquer aprendizado circense dialogava intensamente com as produções artísticas, culturais, técnicas e tecnológicas dos locais pelos quais circularam” (LOPES; SILVA; BORTOLETO, 2020, p. 159).
















