Crítica – Dorinha, Meu Amor | Uma boa opção de entretenimento
Imagem – Foto: Maria Nilo/Folha de Pernambuco
Por Bruno Siqueira
Doutor em Letras (UFPE) e Professor da Licenciatura em Teatro (UFPE)
O diretor
Lembro que Mamãe não pode saber, de João Falcão, apresentado no extinto Teatro José Carlos Cavalcante Borges, Recife, em 1993, foi das minhas primeiras experiências teatrais como espectador de teatro adulto. Saí da peça excitadíssimo e querendo ver mais trabalhos do diretor. O ritmo ágil, o viés metateatral e o grande e divertido jogo entre os atores expressavam um estilo pop e cult que cativava a plateia sempre lotada do teatro.
Não falo das peças anteriores, pois não cheguei a vê-las. De Flicts, a Cor (1981), Muito pelo Contrário (1981), No Natal a Gente Vem Te Buscar (1983), O Pequenino Grão de Areia (1983), A Ver Estrelas (1985), Woody Grude (1987), todas por ele dirigidas, tive acesso apenas às imagens e aos relatos de atores que participaram da produção. Não conheço João Falcão pessoalmente, mas, pelos depoimentos dos que com ele já trabalharam, vê-se se tratar de um artista não somente talentoso, mas gente fina, tranquilo no seu modo de trabalhar.
Assisti ao seu Burguês Ridículo (1996), dirigido em parceria com Guel Arraes; à Dona da História (1998); à Máquina (2000); ao Gonzagão – A Lenda (2012); à Ópera do Malandro (2014). E tenho também acompanhado suas produções para a televisão e para o cinema, seja na direção, seja na escrita de roteiro. Em todos esses trabalhos, em que o teatral e o televisivo mantêm uma relação sempre dialógica, João Falcão tem oferecido cultura de entretenimento, feita com fina nata de humor e inteligência.
Nos últimos tempos, a atenção do artista tem se voltado para direção de shows. Dorinha, Meu Amor estreou no feriado do dia 7/9 deste ano, no Teatro Arraial, Recife.
A estética de Dorinha
Antes de mais nada, trata-se de um show, com interpretação da atriz e cantora pernambucana, Isadora Melo. Para a criação da cena e de sua dramaturgia, João Falcão tomou como referência o teatro de cabaré e o teatro de revista. Ambos de raiz europeia, tiveram expressiva participação na história do teatro feito no Brasil, sobretudo, o segundo gênero.
O teatro de revista, no Brasil, teve seu momento áureo do final do século XIX a meados do século XX. Misto de prosa e verso, música e dança, esse teatro trabalha com a proposta de fazer uma revisão (passar em revista) dos principais fatos ocorridos no país ao longo do ano. Com inúmeros quadros, a revista se valia da sátira, da paródia, da caricatura jocosa, para criticar os acontecimentos sociais e políticos, oferecendo ao público uma alegre diversão. Fronteiriço da revista, o teatro de cabaré, por sua vez, costumava acontecer num pequeno palco, adaptado a um cabaré (ou a qualquer bar ou café). No Brasil, o teatro de cabaré só veio a ocorrer de fato nos anos de 1970 e de 1980. O Vivencial Diversiones, em Recife, dentre suas inúmeras referências, dialogava com o gênero; mas foi o grupo Ornitorrinco que melhor o representou, quando de sua montagem Teatro do Ornitorrinco canta Brecht & Weill e Mahagony Songspiel, em 1982, conforme crítica especializada.
Em Dorinha, meu amor, o tema que perpassa todas as canções é o amor. Foram selecionadas músicas do cancioneiro popular, da MPB ao brega. Na dramaturgia, a personagem Dorinha, representada pela própria Isadora Melo, alinhavava uma canção a outra falando de sentimentos e deixando fluir seu estado anímico de sujeito apaixonado, valendo-se do humor, em lugar da entrega passional à coita amorosa. O figurino, a dramaturgia da luz, a criação de quadros dramático-musicais e o distanciamento épico na costura desses mesmos quadros são alguns dos elementos do show que nos fazem remeter à estética do teatro de cabaré e do teatro de revista. Ao contrário desses gêneros, porém, que tendem a ser mais populares, a cena de João Falcão é clean e quase feérica.
No show, também estão presentes Juliano Holanda, na guitarra, e Rafael Marques, no bandolim. Além desses, faz parte do projeto que, ao longo das oito apresentações correspondentes à temporada no Teatro Arraial, haverá um convidado para fazer uma participação especial. Jr. Black fez, na estreia, uma participação belíssima, dialogando e cantando com Isadora Melo.
O espetáculo não é pretensioso. Propõe-se a ser um entretenimento e, como tal, alcança seu objetivo. Saímos do teatro com o espírito afagado.
A arte de Isadora Melo
A atriz e cantora era a mim desconhecida. Dela só tinha conhecimento de que já participou de algumas poucas produções de João Falcão. Fui ao teatro para conhecer e apreciar seu talento anunciado.
Não é muito comum encontrarmos artistas que saibam conciliar bem performance teatral e canto. Isadora Melo mostrou que tem voz afinada, numa interpretação absolutamente suave e delicada. Sua tranquilidade no palco somada a uma limpeza dos movimentos vocais embalaram o público na noite de estreia, criando uma atmosfera de intimidade e de afetividade. Não foram raros os momentos em que a plateia acompanhava em coro a música que estava sendo cantada. Quanto ao trabalho de atriz, tive a impressão de que seus movimentos corporais foram um pouco tolhidos, aqui e acolá, em prol de uma boa performance vocal.
Descontado o fato de ter assistido ao espetáculo em noite de estreia, pude perceber o florescer de uma atriz/cantora com domínio de voz e de espaço, estilo próprio e potência latente na fina camada de suavidade.