Cuidado! Material perigoso! (Viúva, Porém Honesta)
por Ozzi Cândido
Mesmo a vela, com sua chama noviça, de tão alta propriedade (tal qual o fogo de um incêndio que começara na quinta avenida, pela madrugada adentro, e ninguém suspeita quem começou, ou se começou, sozinho, esse crime passional) mesmo a vela: agita-se, exalta-se e, dependendo da rajada de vento que fora soprada sobre sua chama, estabiliza-se, ou apaga. Mesmo a vela que permanece velejando por sobre os móveis em era que o monstro de ferro, besta fera! anuncia sua ascensão. Eis, voilá! Vida que legitima o medo que gesta a coragem que endoidecida, pelo cheiro que emana das marés, ou dos corpos, deliciosos, [como baratas loucas a sair pelo buraco do bueiro, ou tanajuras, dos formigueiros de março Ah! as tanajuras! que anunciam a primícia das faturas do sertão ] que conserva esse ador da pele do outro que pode sugar pelo mamilo, ou ‘bico-do-peito’ ou pelo gosto amargo do chá tomado à companhia da vítima que agora com gosto de sangue do masoquismo que é ser, Sim, e grito, GRRIIITTOOO, tal qual eu mesmo sou, esse lord com alma de puta. (quase me perdi). a vítima que amava com obsessão, o mestre, tornou-se mestre no dom da tranquilidade, na arte de ter encontrado um sentido para viver. sempre elaborando um plano para satisfazer seu objeto de prazer pleno sobre si. falo sempre na pessoa de si, porque meu sujeito está em si. pela despedida antecipada (para quem?! (tal qual, a viúva de Nelson, que não senta, (por que não é uma virgem) (uma miserável, maldita e tranquila virgem cujo sonho ainda é a ilusão de um singelo – com toda a breguice e ordinária semântica (cuja poética é um anseio de vômito, uma náusea, uma pontada da dor dramática de uma hérnia) eis que, dia e noite, vive a sonhar o sonho, e viver a vida, vivida. sentada. SENTADA, meus senhores, jurados! Sentada como se a vida pudesse, ser, assim, num susto de um semáforo que acaba de abrir para os carros e fechar-se para mim homem de carne. eu, no susto, no primeiro instante doril, nos instantes seguintes entrego-me e vejo, ali, mediante minha estatura social, poeta!,a imagem sacra do paraíso, tantas vezes que se morrera, inútil, na vida, que é um enjoo da grávida que fora estuprada, por conceitos de vinte centímetros de diâmetro e mais vinte e dois de pré-conceito. Na terceira vez, eis que na terceira vez, como a santíssima trindade, o terceiro dia, o terceiro elemento que completa a receita: é entrega. vencidos, pelo cansaço, que anima e pela morte que nos saguão féretros de nós, homens, humanos, o único animal a alienar-se a si mesmo, a perdesse de si mesmo e ficar, como o míope de alto grau, sem suas lentes, tateando a altura que é o escuro. Como se na vida tivéssemos tempo).
Se no livro ‘no caminho de Swann’, Proust, embriagado por uma poética cujo mergulho é um anseio pela costura de uma existência em que o leitor, hipnotizado, larga mão de ler para encravar, em si, como num ritual todo infernal e dissonante de ser possuidor de si, o punhal mortífero das resiliências dicotômicas como manifesto de a experiência ser mediadora da consciência consistente como autoridade que conduz, em organização, um animal que se analisa, dizendo:’a esperança de ser aliviado lhe dá ânimo para sofrer’. Conjecturando a entidade da compreensão em corpo trancado em que, seja qual for a dialética ou silêncio supremo de Deus, nós, mortais, engravidados de deuses culminamos, deitamos (e alguns de nós) gozamos sobre o pasto esverdeado de frescor do orvalho. ‘Em Viúva, porém honesta’, Nelson Rodrigues surta, pira sobre as nuances da existência de um homem solitário, cujo tudo na vida, é cheiro e que, quão demoníaco é sua alma por seu corpo existir, onde todo homem deita contemplação sobre sua periférica e horrenda alma das sensações e símbolos que dizem a verdade tênue da etiqueta sofisticadíssima que faz o animal humano ser célebre sobre toda a criação até onde pode enxergar o vagabundo olho humano com suas suposições e miopia. E que, dessas mesmas honrosas contemplações, surge o deus que nos equívoca quanto a nós mesmos, e que sentado sobre o aparato de uma poltrona metafísica recorremos a esse deus em espécie como doutrinador de todas as nossas enfermidades existenciais. No entanto, Magiluth, monta a mesma desgraça! veste o melhor vestido mesmo sabendo que está caminhando para ruína. É o terceiro ato, aquele que é entrega.
Esse convite, frenético, canto de sereia, que nos leva a consciência da roupa que habitamos, costuradas, com os tecidos sobre nosso colo, e nós espantados com a atitude que é existir (como o sórdido parque de diversões luminoso de nossas infâncias que prometia ávidos e quentes amores de verão: incestuoso, oras, se as almas são gêmeas todo amor é incesto) anavalhamos o tecido, acariciamos o barro, preparamos fornalha para parir, em noite trovejante, o feto das consciências que cada um escolher, segundo a consequência de cada escolha à obra prima. Claro que vos falo de um legado, evidentemente. Porém um legado de perdição, e mais que uma promessa da possibilidade de perder-se, um ardor através de um grito tão alto que fora ouvido rouco, um bravio orgasmo proibido. Sinto-me, desde então, como baratas saindo, endoidecidas, pela natureza da chuva pelos buracos do bueiro louco, perdido pela quinta avenida. Eu barata que suporta o quente bafo dos esgotos, eu barata que, de todos os crimes carrego o crime de ser vil em meu caráter. É por isso que o teatro é uma imaginação. o teatro, propriamente dito, é simbólico, transcendente e espiritual. não se vai ao teatro entrando-se pela porta de madeira, edifício. o teatro é suspenso, tal qual a linguagem, a comunicação e a psique. o eu que, não senta, por que fora proposto a ele a honrosa missão de sustentar o ser. e ele, honroso, aceitou com elegância e humilde o dom de poder colaborar. Magiluth impacta a gente com sua harmonia para a desconstrução e invoca o olho que olha a ser olhado e perceber-se olhado. Claro que o que vos falo é, de cunho, restritamente poético, e que, sobre o que digo não tenho nenhuma prova ou defesa prática. eu apenas divago, débil e lento pelas ruas de meus desejos. Magiluth reinventa o antigo, liberta a carnificina da loucura sobre o público e devolve-o à cidade no recomeço das segundas feiras onde sonolentos tenta-se acordar aos poucos, para não escorregar e cair de vez.
No contexto social, Magiluth insere, tranquilamente a função arrebatadora da paradidática ao criticar, intelectual e sensivelmente a política do respeito, da inclusão, do direito e do dever. essa crítica posta na balança que equilibra o bem em comum e sustenta a vida do sujeito em contato com o outro fazendo-o civilizado a partir de um contato com o centro de suas existências. Magiluth critica, simples e elegantemente a existência. função sofisticada do teatro ético ao concatenar prazer real e sustentabilidade existencial ao sujeito que dele se apodera.
Nelson, como Proust, não apenas critica a sanidade, que a tudo media, capacitando o sujeito a se organizar dentro de um padrão já traduzido e que ao mesmo tempo é o símbolo que dignifica o equilíbrio, como liberta sob nuances das obras citadas o apocalipse que é a loucura como protagonista da possibilidade de uma existência sadia, baseada na liberdade. Na liberdade de uma narrativa do sujeito sobre si mesmo no mundo. No direito, congênito de poder-se fracassar. como ruir. olhada a partir de um senso comum, e é nesse olhar contravertido que me situo na cadeira do canto da primeira fila do teatro Arraial sobre o espetáculo Viúva, porém honesta do particular, belo, Nelson Rodrigues (que no verbo confundo com Nelson Gonçalves mas que por mediação de seus cheiros os diferencio) sob o convite, do Quarta Parede, e em troca eu lhe envio um texto medíocre e vagabundo sob à vista, da lente bifocal de um louco. É tudo uma brincadeira. Uma brincadeirinha fuleira dessas que dão certo e vira roupa também, assim como bússola.
‘quando acordei, mais uma vez, por mais um dia’. Emporio das ideias LTDA. CÃNDIDO, d’Ozzi. texto extraído do devaneio de um poeta das marginalidades e desistências que são as resistências. Recife 2015, 11 de abril.