A força do inacabado | Entrevista – Carlos Canhameiro
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Imagem – Ligia Jardim
O espetáculo MACÁRIO do brazil, dirigido por Carlos Canhameiro, estreia no TUSP Maria Antonia (Rua Maria Antonia, 294 – Vila Buarque, São Paulo, SP) dia 2 de agosto, sexta-feira, e segue em temporada até 1º de setembro de 2024, com sessões gratuitas de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h, totalizando 20 apresentações.
O trabalho revisita o clássico Macário, de Álvares de Azevedo (1831-1852), publicado postumamente em 1855. Trata-se de uma obra inacabada e a única do escritor brasileiro pensada para o teatro.
Para abordar o processo de criação da obra, o diretor Carlos Canhameiro conversou com o co-editor-chefe do Quarta Parede, Márcio Andrade
Como surgiu a ideia de revisitar a obra “Macário” de Álvares de Azevedo para criar o espetáculo MACÁRIO do brazil?
Participei de um curso de dramaturgia brasileira ministrado por Leda Maria Martins em 2021, no meio da pandemia. A primeira obra discutida foi justamente Macário. E naquele momento vi elementos na dramaturgia do Álvares de Azevedo que me interessam bastante. Não se trata de uma revisita e sim de um desejo de fazer teatro a partir do inacabamento do texto de Azevedo.
Quais aspectos desta dramaturgia te chamaram a atenção nesse contexto e como lidou com elas no processo de encenação?
Macário é uma peça inacabada, publicada à revelia do autor (que morreu antes de ver qualquer de seus textos publicados). Desse modo, a forma incompleta, o texto fragmentado, com saltos geográficos (o primeiro episódio se passa possivelmente entre Rio de Janeiro e São Paulo, o segundo na Itália!), saltos temporais, são alguns dos aspectos formais que me interessaram para fazer essa montagem. De qualquer modo, a primeira cena do segundo episódio, quando Macário encontra uma mulher que consola o filho morto no colo ao lado de um rio, foi decididamente o que me fisgou na peça inteira.
Pode nos contar um pouco sobre a escolha do elenco e a inclusão de um coro de 20 jovens? Qual foi a intenção por trás dessa decisão?
Álvares de Azevedo morreu com vinte anos. Seu livro de poesias foi intitulado de “Lira dos Vinte Anos”. Desde o início do projeto eu pensei em trabalhar com um coro de jovens de vinte anos em cena. O coro é composto de estudantes nessa faixa etária que responderam a uma chamada pública para participar do projeto. Estão lá para cenicamente dar uma dimensão do que é ter vinte anos, a impertinência da juventude, a força, a beleza e a inconsequência que se pode ter nessa idade.
O cenário e a música parecem desempenhar um papel importante em MACÁRIO do brazil. Como foi o processo de criação desses elementos em diálogo com a dramaturgia?
Eu não compreendo o teatro, a criação no palco, como uma apresentação do texto, da dramaturgia. Música, luz, cenário, dança, figurinos etc, estão todos em pé de igualdade para potencializar a teatralidade.
O texto do Álvares de Azevedo é quase como uma desculpa para poder criar uma cena pulsante, polifônica, polissêmica e polirrítmica. E para isso tenho o privilégio de poder criar com tantos artistas inquietos. Na música repito parcerias de longa data, com o quarteto À Deriva, Paula Mirhan e Yantó. No cenário, com José Valdir Albuquerque, no elenco, Alitta, Danielli Mendes, Nilcéia Vicente e José Roberto Jardim. Figurinos de Cacau e Anuro, iluminação de Gabriele Souza, coreografias de Andreia Yonashiro e Danielli Mendes.
Artistas que estão dispostos e interessados em dialogar com as propostas formais do inacabamento da escrita do Álvares de Azevedo e realizar uma cena que leve em conta em primeiro lugar, a teatralidade.
Quais foram os maiores desafios ao adaptar um texto do século XIX que aborda temas como a melancolia, o desencanto e o pacto faustiano para um contexto contemporâneo?
O desafio maior é fazer uma criação teatral com trinta e uma pessoas em cena. Creio que os temas abordados na peça Macário não sejam desconhecidos da maioria das pessoas, o que fiz foi alterar um pouco o linguajar e a pessoa do texto original. Macário está escrito na segunda pessoa, eu mudei tudo para a primeira.
E palavras e expressões que não são mais correntes para nós hoje em dia, eu atualizei. Além, claro, de cortes em cenas e partes da peça que não me pareciam interessantes para o que tínhamos em cena. O contexto contemporâneo continua melancólico, o desencanto grassa entre nós e não são poucas as pessoas que estão vendendo a alma para o diabo para garantir uma semana de paz. Então, quase como todas as obras produzidas na nossa história, Macário segue contemporâneo.