Crítica – Inverso Concreto | Conexão coletiva e arquitetura desconstrutiva

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Por Giovanna Martins
Inverso Concreto: Versão 1 (2021) é a primeira das duas versões deste espetáculo, do grupo Cláudio Lacerda/Dança Amorfa. Participam do espetáculo nomes relevantes na dança de Recife, como Cláudio Lacerda (também diretor do espetáculo e do grupo), Juliana Siqueira, Jefferson Figueiredo e Stefany Ribeiro.
O trabalho revela a intenção de articular a imaginação corporal e espacial por meio da arquitetura desconstrutiva inspirada na obra da arquiteta Zaha Hadid (saiba mais Zaha Hadid), com movimentos que apresentam formas espontâneas e fluidas, tanto singular como em conjunto. Inverso Concreto, de forma simples, passeia por várias linguagens artísticas em sua performance, entre elas, a visual, com detalhes na decoração e suas roupas pretas e brancas marcadas, um projetor que mostra vídeos de obras arquitetônicas, sons marcantes que compõem o espetáculo, e, principalmente, tendo como destaque a construção dos movimentos.
Em primeiro lugar, se fosse definir esse espetáculo em uma palavra, esta palavra seria “coletivo”. E, de fato, Inverso Concreto se move e é estabelecido em uma unidade e um verdadeiro coletivo de dança. Esta obra, os 4 dançarinos, que em muitas vezes performam separadamente ou tendo destaque sozinhos no palco, mostram, em cada estrutura, que estão ligados e conectados. Eles, separadamente ou em conjunto, estão em uma contínua construção coletiva, seja preenchendo o amplo espaço do palco, ou em seus espaços individuais. Passeiam entre as qualidades do movimento inicialmente definidos pelo artista e teórico da dança eslovaco Rudolf Laban: lento e rápido, contido e livre, direto e indireto, leve e pesado, assim como, na condição de estudante, aprendi com o idealizador do grupo, Cláudio Lacerda/Dança Amorfa, dançarino do espetáculo e também meu professor e orientador. Estudioso de Laban, Cláudio nos estimulava e influenciava a criar usando esses princípios do movimento, então, enquanto assistia à sua performance, me recordava de seus ensinamentos e das suas aulas.
Além disso, a obra nos envolve numa história coletiva, ainda que sendo através de corpos individuais, como se pode ver quando usam um tecido gigante no final, em que estão interligados na imagem da arquitetura, ou seja, na construção que estiveram realizando durante o espetáculo. Não percebo nenhum tipo de tradicionalidade em Inverso Concreto. Sem dúvidas, é uma obra contemporânea com quebra de expectativas e uma construção que se realiza juntamente com a catarse do público, que, ainda que indiretamente, está envolvido nessa construção.
Portanto, o coletivo está muito presente neste espetáculo e, como artista da dança, aprendo verdadeiramente o que é um coletivo e um trabalho conectado em cada aspecto da obra a que assisti. Assim, Inverso Concreto atravessa a modernidade das estruturas e dos movimentos já estabelecidos e estudados. Acredito que seja uma obra de total relevância para nossos dias atuais, que evidencia a modernidade de construção e criação, que rompe com a tradicionalidade e valoriza a unidade de um conjunto. Ou seja, Inverso Concreto é um “fazer e ser dramatúrgico”, uma construção em cima de uma construção, na qual eles são seus próprios dramaturgistas e dramaturgistas uns dos outros. Um espetáculo que revela um propósito principal de construir algo e de forma que a construção chega a ser o modo como a mensagem desse espetáculo nos atravessa.