“… o tempo em que o ator se preocupava ‘apenas’ com a cena passou…” Entrevista | Alexandre Guimarães
O Açougueiro vem tornando o Espaço O Poste pequeno diante do tamanho do público que está conferindo o trabalho, um projeto de imersão no teatro físico extremamente visual, em que a gestualidade é o elemento primordial. O espetáculo nasceu a partir da inquietação e do desejo do ator Alexandre Guimarães em explorar formas de interpretar que, até então, não havia experimentado nos palcos. Em entrevista ao nosso editor-chefe, Márcio Andrade, Alexandre comenta um pouco sobre as motivações que o conduziram a este processo.
Alexandre, como foi o processo de imersão e criação para concepção do espetáculo “O Açougueiro”?
Após passar um período no Rio de Janeiro, onde me dediquei a estudar interpretação voltada para o audiovisual, dublagem e teatro musical, retornei ao Recife, minha cidade natal. Percebi o quanto era difícil ser ator independente, exercer meu ofício sem fazer parte de um grupo ou companhia. Também não queria mais me afastar de meu lugar para me aprofundar nos estudos. Daí, surgiu a intenção de me aproximar de O Poste Soluções Luminosas, grupo fincado no teatro físico e que sempre admirei o trabalho de preparação de atores em seus espetáculos. Fui muito bem acolhido e fechamos uma parceria de, inicialmente, três meses de estágio para explorar o teatro antropológico e físico, baseado na vivência do grupo. Logo, se tornaram cinco meses e o “estágio” virou montagem do monólogo de autoria do próprio Samuel Santos, diretor do grupo O Poste, e uma temporada de estreia na sede do grupo.
O imaginário de que você precisou se apropriar, além do trabalho com teatro físico, trouxe que tipos de desafio para você como ator?
Sou uma pessoa urbana. Passei grande parte de minha vida em Recife. O Açougueiro se passa em um local do semiárido nordestino, não necessariamente uma cidade real, mas, antes de tudo, um microuniverso que pode ser em qualquer canto do mundo onde haja intolerância e preconceito. Samuel Santos, diretor e dramaturgo do espetáculo, sentiu a necessidade que eu desse um mergulho maior nesse mundo interiorano, então, fui passar alguns dias em Saloá, uma cidade do agreste do estado. Agrinez Melo, preparadora corporal, também fez as malas e me acompanhou na jornada. Voltamos modificados. Conhecer o confinamento, o abate, o corte e a venda dos animais foi transformador e trouxe uma verdade ímpar para a montagem. Muito mais do que um sotaque ou uma maneira de andar, a pesquisa abriu o olhar para o novo, o concreto.
Você já falou sobre o desafio de precisar se tornar um “ator-empreendedor” nesse processo. Qual o background do seu desejo em se lançar esse desafio?
Acredito que o tempo em que o ator/atriz se preocupava “apenas” com seu trabalho dentro da cena passou faz tempo. As fronteiras do mundo se estreitaram, pessoas de outros países fazem concorrência com o comerciante da esquina. Isso não é diferente em nosso meio. Precisamos ampliar o conhecimento do nosso ofício, entender que ser artista é também ser um profissional. Ter zelo na escolha dos projetos, buscar conhecer as etapas do processo, e antes de tudo, reconhecer que o trabalho artístico é um trabalho e precisa ser remunerado por tanto. O Açougueiro foi todo produzido com recursos próprios, porém fiz questão de contar com assessoria de imprensa, agência de propaganda para elaboração de marca, plano de marketing e peças gráficas. Além de criação de uma fanpage no Facebook do espetáculo, fotografias de cenas para pautas de imprensa, filmagem do espetáculo para inscrição em festivais etc.
E, mesmo sem contar com incentivos públicos ou privados para arcar com os custos, todos os profissionais envolvidos foram pagos em suas atividades. Claro que um valor muitas vezes diferente do valor do mercado, no entanto, nada foi apenas na amizade ou “brodagem”. Reconhecer que eu não poderia fazer tudo sozinho e que concentrar muitas funções comprometeria o lado do Alexandre-Ator foi fundamental para delegar funções. Sobre os meios de comunicação, a agência Curinga Comuniquê teve uma idea genial de criarmos um kitpress, ou seja, um kit para enviarmos à imprensa e outros formadores de opinião antes da estreia do monólogo. O kit continha uma caixa de madeira adesivada com a identidade visual do espetáculo, um release, acesso às fotos em alta resolução, par de convites e um cutelo para corte de carne em aço com a marca do espetáculo gravada em sua lâmina. Pronto, foi o suficiente para se destacar dos muitos releases e sugestões de pautas que chegam diariamente às redações em busca de divulgação.
Com uma boa ideia e muita força de vontade, O Açougueiro foi notícia nos três grandes jornais de Pernambuco no dia da estreia. Ou seja, as dificuldades existem e sempre irão existir, o que vai nos fazer sair do mesmo lugar é o querer. E sempre buscar fazer com muita dedicação.