Crítica – É Permitido Chorar | A delicadeza das lágrimas
Imagem – Élida Nascimento
Por Sophia Motta
Advogada e escritora
Fileira com quatro cadeiras, duas caixinhas de lenços de papel nas extremidades e uma placa com os dizeres: Permitido Chorar Neste Local. Um móvel branco com um jarro de vidro redondo em cima, onde a atriz deposita os lenços de papel usados. Dois focos de luz no chão iluminam a performer, colocando-a em foco e conferindo um tom alaranjado no rosto dela, que a destaca, mas a distancia um pouco do público. Elementos de uma instalação em pleno hall do Centro de Artes e Comunicação (CAC) na Universidade Federal de Pernambuco.
A performance É Permitido Chorar aconteceu no dia 05 de novembro de 2019, integrando a programação da XII Semana de Cênicas (UFPE). Iniciada a ação, a performer Renata Caldas se senta em uma das cadeiras. Em seu rosto, expressão de dor silente e comedida. O que está se passando na mente dela?
Seu olhar se perde, indefinido, enquanto a plateia a observa com atenção. Mantém-se o foco na atriz. Curiosidade. Silêncio. Como espectadora, pego-me fazendo uma reflexão: Por que escondemos tanto as nossas emoções ao ponto de, secretamente, termos de ter a necessidade de um lugar para extravasar? Qual seria este lugar de catarse?
As lágrimas de Renata surtem um efeito em mim, pois sinto vontade de chegar perto e perguntar o que houve. Pego-me pensando, até que ponto ficamos, como seres humanos, apáticos ao sofrimento silencioso do outro e até que ponto podemos ou não intervir na performance.
As tensões entre o real e o ficcional se confundem. A ilusão criada poderia ser considerada como uma consequência dessa ficcionalidade. Joga-se com os códigos e com a maneira como eles se inserem na obra; pois apesar de se tratar de uma instalação em um ambiente universitário e cotidiano, os elementos como a luz, o fotógrafo, além de sabermos que é uma ação marcada na programação do evento, faz com quem saíbamos que é uma performance.
É possível observar esse jogo, pois em certo ponto da performance pode-se observar que o fotógrafo tira diversas fotos da atriz, mas não se pode afirmar ou não que ele esteja performando. A presença dele me causa sentimentos de intimidação e distanciamento já que, ao assumir que o fotógrafo fizesse parte da performance, interpretei como se a atriz estivesse fazendo uma crítica à super-exposição da imagem da pessoa humana e o fotógrafo representasse as redes sociais e todas as plataformas que lucram com o sofrimento alheio; por este motivo, não me senti confortável em ir até onde estava a atriz e participar daquele momento. Nas palavras de Josette Féral, em Por uma poética da performatividade: o teatro performativo (2008):
Quanto ao espectador, ele está, assim como o performer, situado na intimidade da ação, absorvido por seu imediatismo ou pelos riscos implicados no jogo (Le Dortoir, de Gilles Maheu). Mas ele pode também ficar no exterior da ação, gravar com frieza as ações que se desenrolam diante dele, mantendo um direito de olhar que permanece exterior, como ele o faz diante de certas performances. Sua maneira de percepção, portanto, nem sempre implica a absorção na obra. Ele pode também sustentar um direito de olhar que permanece exterior.
No final da performance, aconteceu uma roda de diálogos entre performer e público, onde a atriz contou sobre o seu projeto, desde sua concepção até a chegada ao produto final. Sobre o processo de criação da performance, a performer nos disse que, após algumas experiências nas aulas do mestrado, começou a perceber a materialidade das placas com seus dizeres proibitivos imperativos. “Por que tudo é proibido?”, “O que é permitido e a gente não faz?”, foram alguns de seus questionamentos para o desenvolvimento do conceito para performance.
“(Eu quis) expor os tabus de forma delicada, criticando as proibições e permissões com delicadeza.”
Renata Caldas
É Permitido Chorar convida o espectador a mergulhar em sua introspecção, através do ato de observar o outro em uma situação de vulnerabilidade. A performance nos faz refletir sobre as nossas vulnerabilidades, como um espelho. O ato de chorar, tão humano, tão delicado, tão frágil, mas com um efeito tão avassalador. Uma performance que gera empatia e nos faz refletir sobre os sentimentos e a fragilidade humana.