Crítica | Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões – Primeira Campainha (MG)
Imagens – Rubens Nemitz Jr
Por Bruno Siqueira
Doutor em Letras (UFPE) e Professor Adjunto do curso de Licenciatura em Teatro (UFPE)
Derivada da contração do termo fanatic magazine, a palavra fanzine se refere a um meio de comunicação editado por um fã de algum tema específico – quadrinho, ficção científica, poemas, graphic novels, música, filmes etc. Geralmente financiados pelo próprio editor, os fanzines apresentam uma edição mais despretensiosa e modesta, com padrões variáveis de acabamento.
Sobre Dinossauros, Galinhas e Dragões, da Primeira Campanhia, espetáculo apresentado em Recife por ocasião do TREMA! Festival de Teatro 2016, se propõe a fazer um teatro fanzine. Na esteira de um teatro pós-dramático, a dramaturgia aposta numa escrita performática. Em vez de enredo e personagens, trabalha com uma profusão de referências que se conectam pela técnica da colagem. Não temos uma ação que se desenvolve numa linha temporal. Nesse sentido, a dramaturgia é muito mais plástica do que narrativa.
O tema desse fanzine é o mundo contemporâneo, dominado pela cultura pop. Da bíblia a Caetano Veloso, passando por Gilberto Gil, Karl Marx, Freud, Tchekov, Lady Gaga, dentre outras referências, o texto performatiza o processamento da informação nos tempos pós-modernos, em que o ser humano se vê atravessado por uma profusão de discursos, de fontes e níveis bastante diversificados. Esse trânsito de informações põe em xeque as grandes narrativas que outrora nos garantiam um mínimo de segurança e conforto; além disso, problematiza a noção de identidade: o próprio sujeito tem sua identidade fragmentada, tal como se mostra fragmentada a tessitura da cena.
Pelo escracho e pelo deboche com que a cena trabalha o texto, flagramos o caráter político do espetáculo. Se, por um lado, temos acesso a mais informações do que um dia se pôde imaginar, por outro, nos vemos um tanto quanto desorientados em nossa aventura existencial, sem garantias de portos seguros. Ademais, a velocidade com que os temas e acontecimentos irrompem do cotidiano não faz sobrar tempo para os processarmos de forma mais crítica. Daí o recurso aos clichês, que povoam o texto.
A cena é, também, pautada pela despretensão e pelo acabamento simples do fanzine. Com poucos recursos orçamentários, o grupo se vale de escassos adereços, apresentando uma cena crua e despojada. Três atrizes dividem as tarefas de atuação, contrarregragem e operação audiovisual. Fazem tudo com a energia e o ritmo exatos para esse tipo de teatro fanzine. O despojamento da cena e da atuação, somado a muitas das referências oriundas de signos audiovisuais, me fizeram remeter a um estilo de teatro jovem dos anos oitenta, dos Asdrubal Trouxe o Trombone aos teatros universitários que grassavam na época. Um teatro político, trabalhado pelo lúdico de uma geração new wave. Um teatro que acreditava na palavra como elemento transformador. Tanto, que a performance das atrizes está a serviço do texto, não conseguindo criar no corpo um discurso próprio.
No entanto, o que para mim soou como estilo retrô não compromete o resultado da cena. A dramaturgia, na sua forma política de processar as referências, promove momentos de deleite e de gargalhadas, sobretudo porque aposta que o espectador reconheça os lugares de onde elas foram retiradas. Quem não viveu intensamente os anos 80 e 90, por exemplo, poderá jogar com a cena, sem alcançar seu caráter político. O espetáculo oferece, assim, diversas camadas e possibilidades de acesso.