Teatro pernambucano se despede de Sábato Magaldi
Imagens – Arquivo/Divulgação
Na noite da quinta-feira, dia 14 de julho de 2016, em São Paulo, o teatro brasileiro perdeu um dos seus maiores estudiosos: o crítico e membro da Academia Brasileira de Letras, Sábato Magaldi. Ele tinha 89 anos e sofria de insuficiência renal.
Sábato Antonio Magaldi nasceu em Belo Horizonte, em 9 de maio de 1927 e foi um crítico teatral, teatrólogo, jornalista, professor, ensaísta e historiador brasileiro. Formou-se em Direito em Belo Horizonte epois de se aventurar pela crítica, trabalhou como crítico teatral nos jornais Diário Carioca, O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde.
Foi membro da Academia Brasileira de Letras, Professor Titular de História do Teatro Brasileiro da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), professor nas universidades francesas da Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle) e de Provence e, ainda, o primeiro secretário municipal de Cultura de São Paulo.
Além disso, Magaldi foi um dos grandes organizadores da obra de Nelson Rodrigues, responsabilizando-se pela classificação de suas peças por tema e gênero (Tragédias Cariocas, Peças Míticas e Peças Psicológicas).
Diante dessa enorme perda, o Quarta Parede convidou professores, artistas e pesquisadores que colaborassem com uma breve homenagem a esse amante e amado do teatro.
Bruno Siqueira
Professor de Licenciatura em Teatro (UFPE) e Doutor em Letras (UFPE)
Sábato Magaldi foi, na condição de crítico teatral, um dos grandes contribuintes para a construção de um pensamento sobre o teatro moderno no Brasil. Generoso e competente no ofício da crítica, estabeleceu um diálogo fértil com artistas e com o público teatral. Em vez da postura judicativa, optou por falar sobre os espetáculos num registro dialógico, levantando mais questões do que afirmações categóricas. A meu ver, seu legado tem, antes de tudo, um caráter pedagógico.
João Denys Araújo Leite
Professor de Licenciatura em Teatro (UFPE) e Encenador e Dramaturgo
Sábato Magaldi concluiu um ciclo de pensamento teatral, não só brasileiro, que não existe mais em nosso país. Filho de uma geração de intelectuais brilhantes, Sábato deixa um vazio entre nós e vai ocupar lugar no firmamento. Que sua obra crítica tão rica enobreça as gerações futuras. Permanece vivo. Vivamos!
Luiz Felipe Botelho
Dramaturgo e Videasta (Fundaj)
O que escrever quando um grande mestre se vai, se a escrita se trunca no gosto da saudade que se antecipa e no lamento da perda apertando o peito? Talvez possamos ir além desse movimento e lembrar da possibilidade de celebração que também se explicita num adeus como este. Sim, celebrar que ele existiu e exerceu o papel dele entre nós com alma, paixão e pertinência. Celebrar sua imortalidade em nossa arte, em nosso coração.
Wellington Júnior
Crítico de Teatro e Professor
Falar de Sábato Magaldi é lembrar dos dias que pude compartilhar de suas conversas e suas reflexões sobre o Teatro brasileiro. Em 2005, a Renascer Produções Culturais (liderada por Luciano Rogério e com minha curadoria) trouxe Sábato e Bárbara Heliodora para o Seminário de Crítica Teatral em Recife. Foram momentos inesquecíveis para compreender a generosidade e a inteligência desse crítico, pesquisador e professor. São famosas as narrativas de como ele defendia que os críticos deveriam ver tudo no Teatro. Isso até hoje me influencia. Magaldi pensou a crítica teatral como uma parceira da cena – estabeleceu esse diálogo entre cena e pensamento.
Paulo Castelo Branco
Ator e Graduando em Licenciatura em Teatro (UFPE)
‘Um homem de leitura deve ser um homem intensamente vivo. O livro deve ser uma bola de luz em sua mão’ (Ezra Pound). Nada mais solar do que sua generosidade com o conhecimento: obrigado e até breve!
Leidson Ferraz
Jornalista, Pesquisador e Mestrando em História (UFPE)
Os escritos de Sábato Magaldi foram e continuarão a ser imprescindíveis para quem quer estudar a cena do Rio de Janeiro e São Paulo, especialmente o seu livro que abre as portas para nossa entrada no universo teatral, ‘Panorama do Teatro Brasileiro’ (ainda que abarque minimamente os outros estados do país, a despeito do título). Magaldi também fez transcender a obra de Nelson Rodrigues, analisando-a magistralmente. Isto sem contar suas críticas por anos e anos, recentemente recolhidas numa publicação que nos revela ainda mais o seu amor ao teatro.
Tive o prazer de conhecê-lo em 2005, quando veio ao Recife como convidado, junto a Barbara Heliodora, do Seminário de Crítica Teatral – Pensamento e Cena, realizado pela Renascer Produções Culturais, no qual fiz a assessoria de comunicação. Estar com ele era vivenciar o aprendizado da crítica e da história teatral, e isto trago até hoje quando me deparo com alguma de suas obras. Por isso, reafirmo: Sábato para sempre no nosso amor ao teatro…
Samuel Santos
Encenador e Professor (O Poste Soluções Luminosas)
A contribuição intelectual e da preservação da memória teatral brasileira deve muito a ele. Foi mais que um crítico, foi um tutor.
Marconi Bispo
Licenciado em Educação Artística/Artes Cênicas, ator e cantor (Teatro de Fronteira)
Quando cheguei na Universidade, em 1996, o primeiro nome de teórico que me foi soprado foi o de Sábato Magaldi. Era como se fosse o passaporte para adentrar naquele universo. Eu, obediente, comecei a ler o teatro, na Universidade, por intermédio dele. Ainda que, durante o curso, eu o tenha abandonado (como fazemos com muitos outros), é importante lembrar que, dificilmente, abandonamos uma base. De repente, num estalar até mesmo fora de mim, alguém reconheça o Mestre em mim. Em nós. Com os que verdadeiramente nos tocam é assim: agem por trás, pela frente e por dentro de nós como um fantasma. E, assim, o agradeço.
Igor de Almeida
Professor da Licenciatura em Teatro (UFPE) e Doutor em Artes Cênicas (USP)
As referências imediatas que me surgem diante do falecimento de Sábato Magaldi é logicamente a farta bibliografia que ele nos deixou, especialmente livros como Panorama do Teatro Brasileiro, O texto no teatro, seus estudos sobre a obra de Nelson Rodrigues e, mais recentemente, Amor ao teatro, coletânea de críticas cujas dimensões, com mais de 1.200 páginas, são a justa expressão de seu título e de sua dedicação (ou melhor, amor) ao teatro.
Mas me lembro, sobretudo, da ocasião em que, pela primeira e única vez, pude vê-lo em uma palestra durante o Seminário de Crítica Teatral, realizado no Teatro Capiba, Sesc Casa Amarela, em agosto de 2005. Eu ainda cursava o mestrado em Letras na UFPE e o que mais me encantou no famoso crítico e historiador do teatro foi sua atenção e generosidade em ouvir e responder às perguntas do público, a ponto de se levantar da cadeira para melhor escutar e visualizar quem lhe interpelava. É essa a imagem que guardo de Sábato Magaldi: da escuta generosa e atenta de um ‘crítico-pedagogo’ (como o chama Aimar Labaki) diante das inquietações dos aprendizes de crítica, apaixonados pelo teatro, assim como ele mesmo o foi.
Imagem que talvez tenha ganhado uma moldura ainda mais terna em minha memória quando me lembro de que, nesta mesma noite, pude conhecer pessoalmente Sábato e sua esposa, Edla van Steen, por intermédio de Antonio Cadengue. Depois, fomos os quatro à Creperia Anjo Solto e lá compartilhamos crepes e vinho. Como jovem aprendiz (que ainda sou), não falei muito. Lembro que ainda expliquei um pouco da minha pesquisa de mestrado sobre a dramaturgia de Luiz Marinho. Mas só. Apenas escutava (com muita atenção e interesse) a conversa afetuosa entre Sábato, Edla e Cadengue. Acho que já exercitava (inconscientemente) o exemplo do mestre.
Márcia Cruz
Atriz e Arte-Educadora (Cia Maravilhas)
Interessante (ainda que nunca tenha conhecido Sábato Magaldi) a sensação que me fica com sua partida é a de que eu perdi um professor querido. De fato, é isso mesmo. Perdi um mestre. Ainda que nunca tenha tido nenhum contato pessoal com ele, seus livros e artigos foram tão determinantes na minha formação como artista, que, de fato, perdi alguém próximo. Mas, apesar da surpresa e da tristeza, fica também forte o exemplo de generosidade deste homem de teatro.
Uma pessoa que tinha um domínio profundo dos códigos desta linguagem, tão apaixonado por essa forma de expressão artística, que, nas suas linhas, é perceptível o trato carinhoso que ele tinha com tudo e todos que se relacionavam com o teatro. Sábato, do alto de sua sabedoria, se preocupava com os iniciantes do teatro, com a dramaturgia, em especial a brasileira, com a cena contemporânea. Fica então, esse legado de conhecimento e amorosidade para o teatro. Obrigada por tudo querido. ‘Nunca te vi, sempre te amei’. Evoé!
Rodrigo Dourado
Professor da Licenciatura em Teatro (UFPE) e Doutor em Artes Cênicas (UFBA)
Sábato e eu.
Era 2005, se bem me lembro. Bárbara Heliodora e Sábato Magaldi foram ao Recife, a convite de Wellington Jr., participar de um Seminário de Crítica Teatral. E eu, aos 25 anos, fui chamado a mediar o debate com Bárbara e a palestrar tendo como debatedor Sábato. Foram dias inquietos, ansiosos. Eu tremi nas bases, confesso. Estudei um tanto. Fiz uma fala burocrática, acadêmica demais, afinal, aquilo era um escudo.
Apesar disso, Sábato foi de uma gentileza, pontuou algumas questões, tudo com muita elegância e generosidade, típico de quem estende a mão aos que se iniciam. Era uma espécie de presentificação quase espiritual aquele encontro. Sábato, com quem eu iniciara minhas leituras em teatro, 10 anos antes. Sábato, farol absoluto do teatro brasileiro, ali, ao meu lado. E eu passei a brincar com os amigos: “Depois que passei pela ‘banca’ com Sábato Magaldi, o que vier é fichinha”. Faço essa fala porque sei que muitos terão melhores condições de inventariar seu legado teórico, que eu como docente universitário utilizo fartamente com meus alunos e que, como já pontuei, foi fundamental para minha formação.
De toda sorte, é aquele encontro, para mim emocionante, o que fica na memória. Lembro ainda que, em minha fala, eu citava Bernard Dort, crítico fundamental para o teatro moderno/contemporâneo francês/europeu. Ao final, a esposa de Sábato, Edla Van Steen, me chama num canto e diz: “Fiquei feliz que você tenha citado o Dort, quando ele veio ao Brasil, ficou hospedado lá em casa”. E eu saí um pouco embasbacado daquele encontro, eu, um garoto, que encontrava uma geração fundamental para entender o nosso teatro, uma geração cujo textocentrismo parecia de todo já anacrônico, mas cuja seriedade, compromisso, ética e ‘amor ao teatro’ nunca envelhecerão.
Marcondes Lima
Professor da Licenciatura em Teatro (UFPE) e Encenador e Ator (Coletivo Angu)
O mundo fica desértico a cada vez que uma criatura como Sábato Magaldi sai de cena. O quarteto formado por ele, Décio de Almeida Prado, Anatol Rosenfeld e Yan Michalski continuará insubstituível. Ou até mais. Seu olhar crítico me fizeram ver a mim e aos outros da cena com mais carinho, respeito, seriedade e firmeza. Me deu exemplos de como a autocrítica é necessária e nada vergonhosa. Nunca cruzei com ele em carne e osso, mas seus escritos me pegaram pelo pé e me ajudam até hoje a andar sobre o solo sagrado do teatro, onde estão garantidos os seus sete palmos bem medidos.