#17 Corpas Possíveis, Corpos Sensíveis | Não é uma dança que faz um corpo, mas um corpo que faz uma dança

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Arte – Rodrigo Sarmento
Por John Lopes
Dançarino/performer e coreógrafo
A arte é uma das formas mais delicadas e espontâneas para se dizer algo que sentimos por dentro. Através de um pincel com tinta colorida numa tela em branco ou mesmo em um corpo cheio de brilho em cima de um palco iluminado, podemos expor nossos sentimentos e nossa arte, seja ela qual e como for. A arte não escolhe nem exige corpo perfeito ou ideal para ser executada, ela simplesmente abraça e acolhe aqueles que desejam passar de alguma maneira, o que é possível fazer com ele.
Na arte, nosso corpo é transformado e blindado contra qualquer categoria de manifestação preconceituosa de uma sociedade com pouco conhecimento da língua artística, que tenta atingir nossa cultura, passando uma valoração negativa sobre o que seria um “corpo fora do padrão”. O mundo da arte pode ser um mundo sem restrição, onde podemos ser o que quisermos e como quisermos, sem medo de ser julgado ou rejeitado só por ter algum bloqueio físico. Todo corpo tem seu tipo de fazer arte; não é uma cadeira de rodas, um peso a mais, um gênero, uma raça ou qualquer tipo de limitação corporal, motora ou intelectual que vai impedir de fazer aquilo que nos deixa feliz.
Fui contagiado pela arte da dança, aos 15 anos de idade, quando percebi que meus movimentos estavam sendo atraídos por aquela arte; tive a sensação que era como se tivesse um “ímã” dentro de mim, me puxando de vez para junto dela. Então, foi aí que tive a decisão de libertar meu corpo, permitindo que ele tivesse uma comunicação mais direta com a área, que me fez e continua me fazendo ter grandes experiências e conquistas.
Uma delas aconteceu em 2005, quando tive a ideia de criar um grupo de dança no centro de reabilitação em que eu fazia fisioterapia. O objetivo era mostrar e levar o direito de inclusão da pessoa com deficiência na sociedade. Isso foi um desafio para mim, enquanto pessoa com deficiência que estava correndo atrás dos meus sonhos e desejos, como também para as outras pessoas, que estavam acreditando em uma pessoa que era vista como “incapaz”.
Já em 2009, tive a honra e o prazer de atuar no meu primeiro espetáculo de dança, que tinha como tema: “grupo arco-íris dos sonhos, em um passeio pela cultura pernambucana” e abordava vários ritmos do estado. Foi ali que notei que uma simples limitação não impedia meu corpo de passar por um lugar que ele quisesse ir.
Em 2016, tive mais uma grande vitória, ingressando no curso formal de Dança da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), me tornando o primeiro aluno com deficiência do curso, arrombando literalmente as portas do setor de arte, dando voz e oportunidade para mais pessoas com limitações físicas, e foi lá que pude me encontrar melhor e entender mais sobre meu corpo.
No entanto, venho enfrentando grandes barreiras para transitar meu corpo nesta universidade que se diz para TODOS, mas limita minhas RODAS já da primeira entrada, que não tem uma acessibilidade adequada para minha cadeira de rodas, que já faz parte do meu corpo.
Mas foi lá também que tive a oportunidade de conhecer pessoas maravilhosas, que acreditaram na minha capacidade e me levaram para junto deles, como o “coletivo “Lugar Comum”, com quem em 2017 fiz uma participação em uma performance de rua, “motim”, que saía pela comunidade do Morro da Conceição, rindo e mostrando que a arte também pode ser um gesto de carinho.
Em 2020, com o “Teatro Miçanga”, vivi uma experiência diferente de expor meu corpo e meus movimentos. No começo, tive um pouco de insegurança, por conta da dificuldade da fala, mas quando eu tive contato com eles e disse: qualquer coisa pode perguntar, isso me deixou mais tranquilx e me fez interagir melhor com o grupo.
Entretanto, tive um pouco de medo, pois, eu nunca tinha conduzido um exercício daquela maneira antes. Minhas práticas sempre foram de dança literalmente dançada, mas confesso que fiquei mais confortável na oficina, pois tive um “auxílio”, que para mim foi fundamental, que foi quando uma componente do grupo traduzia minha fala durante a atividade. Creio que facilitou muito mais na compreensão.
Como na vida, a gente não só tem momentos bons, também tive uma experiência que mexeu um pouco com minha autoestima, a qual me fez ter, por algum tempo, um pensamento ruim sobre meu corpo e meu lugar como fazedor de artes. Aconteceu na Universidade, durante meu 2º período, na disciplina: Oficina de Dança 2, que era “Ballet clássico” com uma professora que não entendia a anatomia do meu corpo, me colocando para fazer as aulas deitado, buscando uma PERFEIÇÃO que ela nunca iria encontrar nele. Nessa altura, isso me fez criar uma reflexão junto com um questionamento: “será que estou no lugar certo?”
Porém, felizmente, depois de alguns meses, fiquei sabendo que ela não daria mais aula no curso. Já a substituta que entrou conseguiu encaixar meu corpo, fazendo adaptações para as aulas, me deixando livre para fazer da minha melhor forma, sem perder a proposta da dança, que era o ballet. Foi então que eu notei que não é uma dança quem faz um corpo, mas sim um corpo quem faz uma dança.
Hoje, posso afirmar que a arte que faço e levo para rua é como uma libertação ou até mesmo um desabafo do meu corpo, que se inclui no universo da arte, de forma política, buscando seus direitos e suas liberdades de cidadão também na classe artística. Cada artista tem um corpo e nele existe diversos jeitos de expressar seus sentimentos, mostrar suas qualidades e habilidades de entrar em cena.