Crítica – Jacy | ratos gourmet e o mal dito mundo premium
Imagens – Divulgação
Por Cãndido, d’ Ozzi
tardes amarelecidas de maio e contos de outras eras.
Mamífero sem possuir asas. Empório das Ideias LTDA.
ou uma agulha de cozer tricô
ou uma manta branca com pingos de sangue
areia do deserto na garganta rouca
ou Jacy, de CarmesiN
não fomos feitos pra esse mundo simples de vacas pastando e gatos que dormem a entrada da casa. Queremos apenas um final de semana no campo com música erudita a tocar no rádio. 420 gramas de quaisquer coisas no mundo que nos dê quaisquer motivos, tenha forma ou não. Depois a gente quer rock in roll e cheiro de pão recém saído da fornada às 05:30 da manhã [falo de vacas mas podia falar de baleias ou andorinhas, ou timbus ou louvadeuses]. Todas as vezes que encontro-me com a vizinha de setenta anos que ler Adélia e manca de tempo. É quase intransponível que se vença na vida. É quase por que nem ônibus, nem maresia, nem telégrafo ou anjos me pudera fazer dormir ou definir meu nome. Sou uma alma recatada pairando a superfície de qualquer coisa: um quase, um alívio, uma tempestade. Um líquido em estado gelatinoso.
Recatada por mim mesmo para eu mesmo. Como quem sabendo-se, doma-se para alguma utilidade futura. De coisa ruim me chamaram tantas vezes. Mázzerri me explicou seu nome. Disse-me “meu nome é mazzerri, francês, mas toda a gente lá na igreja me chama de mazeri, engolindo um r.” depois contou-me sobre o sonho que tinha de enfeitar a praça central da cidade no natal com a ajuda do povo e a benção do padre. Tudo isso aconteceu às 10:00 horas da manhã, com todas as crianças a mostra “trinta e seis anos vivo nessa cidade e nunca vira essa praça com uma única lâmpada no natal” confessou-me fringindo a testa e apertando as pálpebras como se naquela afirmação residisse toda sua preocupação. Também disse-me o que era a felicidade e que essa mesma morava no amor e eram dez horas da manhã e o sol já aliciava nossa cuca a pensar frenético.
A vida não foi feita pra vencer mas pra comer, quiçá devorar como quem pode entornar a ontem àquilo que o sangue guardava como inteligência da palavra cuja eras sobre o muro abandonado faríamos de fala. Ninguém venceu a vida, ou venceu na vida. Sofisticamos de plástico a alma livre das coisas. e falo assim, mesmo, da ‘alma livre das coisas’ como quem colhe jerimum pelas ribanceiras. Desejo que fôssemos uma enorme coisa útil com um sorriso na cara incapaz de ser borrado pelo mistério do tempo que só a noite amamenta e põe pra dormir. Para a chuva construímos guarda-chuva e encaixotamos os poetas.
2016-13AMORAS4.235.698,54 dias de febre de amor no pátio. O que me fizera amá-lo ao ponto de, felizmente, me perder e entregar os pontos não fora seu corpo delgado de maçã ou suas pernas torneadas de músculos firmes. Nem ainda a maneira de quando estávamos no azeviche encontro das folhas noturnas voando num quintal de outono. O que me fizera perder minhas estribeiras fora o tono de sua existência. A musculatura de sua sensibilidade. Fomos feitos para planejar sereias, aprisionar curupiras, matar os primeiros sapos das chuvas de maio a pauladas, vendo-os inchar e escorrer o sangue pelo corpo-anfíbio-réptil a fim de impedir a estação deusar [do verbo deusa] sobre todos os filhos dos homens. Somos como que feitos de pó compacto para a fragilidade [três vezes vesti e ergui a carne esperando que a alma me vestisse o corpo. Não pedi, tampouco clamei. Às vezes a gente dava uns gemidos, às vezes, nas noites de frio, cobria o outro]. Foi quando três badalas de sino me fizeram nascer gosmento no canto da sala vazia.
Tudo que fora posto no mundo nos desola. Alma que habita corpo estranho. E a gente recorreu a liberdade como quem descobrira o fogo e a própria vergonha inventada. E libertário é está sozinho como que rompido mas que não está rompido. Bati tão tragicamente com a cara na cara da vida que fora preciso muita imaginação para chegar até a altura de vós, senhores, e dos filhos de vossas excelências. Falo-vos de ratos gourmet mas vos poderia falar de política, ou de freiras, da ortodoxia da igreja, da academia de ensino superior. A existência é o encontro de tudo com tudo. Paira-se. À medida que costuramos prédios e salinas e montanhas, mares e desertos de sangue e carne humana.
Fora me dado três metros de altura. Mas eu só podia viver dois. Se crescêssemos três metros completos seríamos classificados discrepantes, incongruentes. Estarrecidos pelo sol do meio dia. De maneira que o outro metro escondido era-me a parte mais verdadeira. Como S’eu fosse aquilo que não nasce jamais. Uma vontade de ser na escola dos homens a fim de aprender integrações. Sou uma entidade das residências silenciosas, das casas antigas do mundo, o olho suspenso que olha o nascimento da vida e a morte. Meu destino é córrego e direção do caminho que aponta a simplicidade do suspiro seguinte poder ser interposto.
Sexta-feira, era Recife 28 abril de 2016. Apareci como sombra pela cidade como quem vem para experimentar metáforas soltas. Despois que derramei mel por todas as alamedas, depois de sentar horas esperando a entidade besta fera do poeta a me tremer a carne e me por a funcionar. Mas se não sabes quem sou voltas 300 casas abaixo e ficas uma rodada sem jogar. Primeiro fui pingando-me, liquefazendo-me, tecendo sonhos, voando com asas imaginarias, piruetando num céu livre: Palavraria com soluço. Sofrendo por delírio de jamais chegar. Carmin – com N de natal no final, estava lá – levantara-se como mágico da plateia e pôs-se a enfeitiçar a gente empunhando, como se fôssemos gavetas cósmicas a guardar o segredo do elixir da existência, existenciar, a beleza de uma nova invenção humana de conversar com o teatro, volvendo mecanismos de [mascara-mecanização] do impacto das existencialidades do espectador apropriado de seu assento na corporeidade do teatro, a porta suspensa do ensaio sobre sua própria vida.
É claro que precisei dormir setenta e duas horas a fim de escrever esse texto. Era doce não enjoativo o cheiro do poeta lá em casa. Seria clarividente S’eu dissesse que CarmiN rompe com as cortinas e irrompe com proposta de ‘sentemos aqui e conversemos sério sobre isso de ser pessoa e viver no mundo’. E a gente, os que atentam para ser atentos ainda, ríamos tragicamente como se trágico fosse prometer o fim da fome ao faminto. Esse maldito tempo gourmet que diz quem come e quem não come com suas ideias de premiações que se elegem marquises, ilhas, cadeias. Essa crosta, profecia, de uma vida que já tendo arruinado os jardins amontoa pedras. Jacy, por CarmesiN, é espetáculo que eclode espetáculo dentro da gente. Sorriso que inspira sorriso. É também paisagem justa de se ver da janela e mostrar ao filho como adereçamento de uma nova educação: sentir.
Desempenha função ética no instante em que denúncia a dor do mundo ao próprio mundo, pessoa-entidade maior responsável pelas pessoas humanas que habita feitos germes os poros dessa nave trans a quaisquer vias, lados, partidos. Enquanto método tecnológico CarmesiN é água afluindo no rio selvagem da vida. A partir de uma frasqueira, da frasqueira que é eu e tu no contexto da vida. Falo-vos da frasqueira como quem fala de discos voadores ou salinas ou cheiro de enxofre em ebulição que podem ser devolvido ao lixo. Uma frasqueira que transcende épocas e instâncias. Um eco no instante em que a função da vida é h2o com dois quartos de gelo e uma camiseta de verão como farol mostrando o bico, o mamilo aluminando o abismo. Algumas pessoas ousam passar batom vermelho. A frasqueira é o olho.
Recife 29 de abril. 2016.