Crítica – vaga-lumes | Carta para a pintora da dança Dani Guimarães

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Por Edileine Bonachela
Recife,16 de outubro de 2024
Querida Dani Guimarães,
Ao assistir ao filme vaga-lumes (2018, como é bom apreciar e aprender com o que você traz de melhor, que é a sua capacidade de transformar o visível e revelar o invisível existente no corpo e nas imagens insurgentes. Você realiza tudo isso em tempo real! Esse tempo que é capturado e transmutado pelas imagens que vão contar muitas histórias a partir de uma história, ou será o contrário? ainda não sei…
A sua sensibilidade se revela nas escolhas dos planos que engrandecem o que se espera materializar do mundo retratado das suas obras. O que resulta no esperado das suas direções sempre brilhantes em comunhão com as equipes.
Seu filme Vagalumes é um longa metragem de 1 hora e 9 minutos e ao qual me atrevo a comentar agora. Você o exibiu lá na Mini Residência Criação Fílmica, promovido pelo Festival de Dança do Recife (2024), no qual espero que nos encontremos novamente em breve. Nesta oportunidade, você me revelou que este filme demorou 3 anos para ficar pronto e finalmente estreou em 2018.
Ao me deparar com Vaga-lumes, percebi que ele dialoga sobre a resistência para existir em sobrevivências. O filme aborda travessias, desafios. Seus aventureiros personagens partem de Minas Gerais / Brasil, para Sagres / Portugal, através da imensidão do mar, em um barco instável onde o tempo flutua. Uma linda forma poética de retratar a vida, que também retrata a vida de quem produz dança e cinema com muita resistência para conseguir estrear uma obra tão trabalhosa. É um bom momento para se usar o clichê “a arte imita a vida”, e a vida nem sempre é fácil.
No início do seu filme, sofri um encantamento pelas luzes, que continuam a encantar durante todo o longa, entre as frestas de tantos ambientes diferentes. Ora, me senti guiada pelas luzes entre as árvores imensas; e, em outros momentos, pelo caminhar dos personagens no chão da floresta, nas águas e pela linda cachoeira. Tornei-me um vagalume por um momento, esse ser mágico, incrível, de luz própria.
Estou com muita saudades das suas técnicas de improvisação potentes e que guiam o processo de construção dos seus trabalhos. Conhecendo-a, fiquei imaginando como você dirigiu os bailarinos do filme Vaga-lumes em tempo real: Pega o giz e contorna seu pé na mesa. Permaneçam todos deitados enquanto apenas uma pessoa dança… E, por mais que as cenas tenham sido repetidas e conhecendo a importância do processo da improvisação na sua vida, sei o quanto o filme tem de você e dos bailarines que transitam na criação.
Seus personagens jogam Tarô por um dos momentos tensos da viagem. E eu me pergunto que quem não gosta de Tarô na vida real, talvez esteja mentindo, mas as cartas não mentem nem mesmo no seu filme. E uma carta escolhida revela a seguinte frase: “Todo fim é contemporâneo de todo começo”. Esta carta parece anunciar o encaminhamento do final do filme, que mais uma vez imita a vida.
Uma tempestade afundou o barco e todos aqueles que antes estavam à deriva estão agora náufragos. Tragédias…Neste momento, não pude deixar de me lembrar de sentir como e quantas vezes já estive à deriva, perdida na imensidão de uma praia diante do mar. É um filme com o qual todes podem se identificar.
As imagens de drone são um espetáculo. E imagens de um anoitecer e em seguida um amanhecer e mais águas a correr mundo e a correr vidas, e montanhas a serem escaladas. Todos os 7 tripulantes sobrevivem a essa longa jornada e o sol se põe mais uma vez.
Que filme incrível, Daniela! Muito poético e de imagens lindas e plásticas.
A tragédia e a superação da vida, pulsando e nos desafiando, são o retrato da alma do improvisador. A cara do criador do universo que nos deu o livre arbítrio para escolhermos o que quisermos fazer pelos caminhos incertos.
Mas tudo isso só é possível porque você é uma estudiosa da improvisação desde a adolescência até realizar as residências artísticas com Westmore Farm, Lisa Nelson e Steve Paxton e realizar sua tese de doutorado Corpolumem: Poéticas de (Re)Invenções no corpo na interação Dança e Cinema e sua dissertação Dramaturgias em Tempo Presente.
Aplausos, gratidão e um até breve,
Edileine