“… é um tiro no senso comum do que é um artista” – Entrevista – Cia Construtores de História
Com a primeira temporada em 2007, o espetáculo O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados retorna a temporada no Teatro Hermilo Borba Filho de 17 de julho a 01 de agosto, nas sextas e sábados, às 20h. O espetáculo conta a história do Palhaço Jurema, um palhaço velho, quase miserável como artista circense e como pessoa, sozinho, que devaneia resmungos, expõe impulsos e hábitos insatisfeitos de delicadeza, lamenta e lembra de uma vida inteira no circo.
Para nos falar um pouco do que mudou entre a primeira montagem e esta nova temporada, a Companhia Construtores de História conversou um pouco com nosso Editor-Chefe, Márcio Andrade, e nosso Co-Produtor, João Guilherme de Paula.
Como foi a preparação desse espetáculo na época da sua realização?
O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados, adaptação do conto “O Palhaço”, de Hermilo Borba Filho, se deu no bojo de um projeto maior, o que chamamos de “As Dores do Homem: 03 X Hermilo”. Desta iniciativa, foram produzido os espetáculos A Gloriosa Vida e o Triste Fim de Zumba-sem-dente, Mucurana, o Peixe e O Palhaço Jurema e os Peixinhos Dourados. O primeiro teve patrocínio da CHESF, os dois últimos foram ganhadores do Prêmio Miriam Muniz, da Funarte/ Ministério da Cultura. A montagem do Palhaço… foi em 2006, ainda dentro do Centro de Pesquisa Teatral do Recife (CPT-Recife), iniciativa de Carlos Carvalho de compartilhamento de saberes e difusão das artes cênicas. O período de ensaios se estendeu por 09 meses, de segunda e sexta-feira, com 05 horas diárias de trabalho com o espaço-tempo, com o tratamento dramatúrgico ao conto e com o a preparação do elenco.
O que motivou o grupo a voltar com o espetáculo após esse período?
As pessoas que formavam a equipe original nunca de fato se afastaram, mesmo com cada um tendo de administrar os seus projetos independentes e pessoais. Voltar com o Palhaço Jurema… é apostar na reaproximação de interesses de criação e de produção. Também por que temos no horizonte o ano de 2017, quando se deve comemorar o Centenário de nascimento do autor. Neste sentido, a idéia é remontar os primeiros três espetáculos acima citados, refazendo toda a trilogia.
O que vocês sentem que mudou desde a temporada anterior para esta?
Incrível como o tempo histórico estabelece mudanças de toda ordem. Os tempos são outros, de fato. Agora se prolifera na sociedade uma censura inacreditável do politicamente correto. E é preciso fazer frente a isso. O palhaço é uma aposta na força que a arte tem de dizer coisas que podem até nos incomodar, nos ferir, mas para nos fazer sair do lugar, é para produzir deslocamentos internos, reavaliações. O espetáculo é um tiro no senso comum do que é um artista, um ponta-pé no certinho, corretinho, bonitinho, engraçadinho. Impera ali o terrível, a fantasia, a loucura, o crime, a miséria humana.
Temos hoje um entendimento semelhante ao que tínhamos em 2006, sobre a dramaturgia e a encenação, mas não igual. Ao voltarmos os olhos para a montagem passada percebemos que havia uma melhor maneira de mergulhar na história articulando novos signos, símbolos, imagens, sonoridades. Antes não tínhamos mergulhado com tanta profundidade da alma do Jurema, e desta forma seus conflitos não apareciam com tantos detalhes e riquezas na hora da exposição. O mundo esquizofrênico do personagem surge e se revela (o dentro e o fora). Os estilhaços da sua “persona” foram melhor delineados. E tudo para imprimir no público a desconfiança de que poderia ter sido diferente, de que havia vários caminhos e muitas veredas, que não necessariamente deveria ter levado a história a terminar como termina. E este incômodo nos é muito caro. A gente se engraça com o Palhaço para depois sacar que foi tudo uma armadilha armada pelo apagar a linha tênue entre o real e o imaginado.
Tudo isso sendo conduzido numa linha do tempo que em nenhum momento é linear, embora possa assim parecer. Todas essas mudanças imprimiram um trabalho mais intenso dos atores – Gilberto Brito e Andrezza Alves – que sem dúvida nenhuma demonstram nas suas atuações o quanto tem de rigor e prazer a serviço do teatro.
Como vocês percebem o espetáculo no contexto da cena pernambucana, na primeira montagem e nesta nova?
Penso que é uma importante contribuição em vários aspectos, antes e agora. Uma montagem desta vez realizada sem nenhum investimento público de Leis de Incentivo, com recursos próprios e com o auxílio e boa vontade de amigos. Também é importante por oferecer aos outros criadores teatrais uma adaptação da obra de Hermilo Borba Filho, que é tão pouco conhecido ainda, infelizmente, um homem que é essencial como encenador e pesquisador do teatro e dos espetáculos dramáticos populares. E também pelo nível de qualidade artística do espetáculo. E, por último, por renovar o compromisso que a gente tem com a pesquisa do teatro de grupo.