A força do novo | Entrevista – Pedro Cadore
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Imagem – Chris Machado
BELCHIOR – Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro ressurge vibrante nos palcos, trazendo consigo a memória, a poesia e a filosofia de um ícone da Música Popular Brasileira, Antônio Carlos Belchior. Sob a direção de Pedro Cadore, apoio do Ministério da Cultura e com o patrocínio exclusivo da Infraero Aeroportos, a peça mergulha no universo do compositor cearense, apresentando não apenas uma biografia, mas uma imersão na mente de um dos artistas mais misteriosos do cenário musical brasileiro.
O espetáculo faz apresentações de 14 a 30 de Junho no Teatro Claro Mais. As sessões acontecem nas sextas às 20h, sábados às 17h e 20h, e domingos às 17h. Parte dos ingressos da temporada será vendida a preços populares, com assentos selecionados a R$ 39 (valor inteiro) e R$ 19,50 (meia-entrada).
A narrativa, construída por Pedro Cadore e Cláudia Pinto, se desdobra a partir de trechos de entrevistas do próprio Belchior, proporcionando ao público um vislumbre da juventude do artista e suas reflexões sobre um mundo em constante desconcerto. O espetáculo destaca Pablo Paleólogo, que encarna o cantor cearense, e Bruno Suzano, que dá vida ao “Cidadão Comum”, uma presença constante nas canções de Belchior, representando, de certa forma, seu alter ego.
Para saber mais sobre o processo de criação, o diretor Pedro Cadore conversa com o co-editor-chefe do Quarta Parede, Márcio Andrade.
Como foi seu encontro com a obra de Belchior e o que inspirou você a desenvolver o espetáculo?
Meu primeiro encontro com Belchior se deu em “Como Nossos Pais”, principalmente pela voz da Elis Regina. É muito difícil não chegar a essa música, para quem é brasileiro. Como eu sou dos anos 1990, também é impossível não comentar sobre a regravação de “À Palo Seco”, pela banda Los Hermanos que é um marco da minha geração.
Para o espetáculo, eu diria que a frase título foi a que me inspirou: “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, da música “Sujeito de Sorte”. Em 2018, estávamos vivendo um período de eleição muito conturbado onde os artistas estavam sendo atacados. Eu queria fazer uma peça que trouxesse esperança e valorizasse os artistas, então, nada melhor que Belchior. Ele era um poeta que falava sobre a potência transformadora da arte na vida das pessoas, e de você poder sonhar e acreditar nos seus sonhos.
Como foi o processo de pesquisar e construir a estrutura dramatúrgica a partir de trechos de entrevistas do próprio Belchior e da imersão na sua filosofia e poesia?
Inicialmente, a ideia era contar sobre os dez anos de sumiço do Belchior. Acho que isso é o que causa curiosidade nas pessoas, essa figura que ficou dez anos reclusa e que, infelizmente, acabou falecendo em 2017. Mas, olhando as entrevistas dele, ele diz que é muito mais importante você reconhecer a figura do artista do que o seu lado pessoal. Um dos motivos que eu interpreto para que ela tenha se recolhido é, exatamente, ele poder viver como um “cidadão comum”. A partir dessa conclusão minha, eu começo a desenvolver esse espetáculo, e sempre o ouvindo muito.
Ao ver todas as entrevistas e criar um grande compilado de coisas que eu achava interessantes, eu reconheci que Belchior falava essencialmente de três assuntos: raízes, amor e política. Eu decido, então, dividir o espetáculo em dois. Em metade dele, eu contaria sobre a juventude do Belchior trazendo esses assuntos como raízes, valorização da terra, amor, e sua passagem como estudante em um mosteiro, de onde saiu decepcionado e querendo fazer música. Já a segunda metade representa todo o seu lado político e a luta do Belchior contra a ditadura, incluindo todos os discursos maravilhosos que ele fez.
Poderia nos falar sobre a escolha de Pablo Paleólogo para encarnar Belchior e de Bruno Suzano para representar o “Cidadão Comum”?
Conheço o Pablo desde pequeno, estudamos juntos no Tablado. Além disso, ele esteve no primeiro esquete que eu dirigi na vida, em uma mostra de esquetes no próprio Tablado. Ele sempre foi esse talento imenso, um grande ator com uma belíssima voz. Eu precisava especialmente disso, de alguém que tivesse uma voz potente. Quando reencontrei o Pablo, anos depois, ele estava com um cabelo imenso e eu percebi que ele tem uma beleza singular assim como o Belchior, uma beleza única. Decido, então, chama-lo para o espetáculo.
Para o personagem de “Cidadão Comum”, eu precisava de alguém que se desvirtuasse completamente do Belchior. Já que eu não falaria da vida pessoal dele, queria alguém que deslocasse o enredo para outro lugar. Por isso, decidi que teríamos um jovem negro com sotaque do sudeste que, além de representar esse completo oposto do Belchior, também ecoa a frase “eu sou como você”, do próprio Belchior, da música “Fotografia 3×4”. Belchior pode ser qualquer um, e era esse o “Cidadão Comum” que eu gostaria.
De que forma a música ao vivo, interpretada pela banda, contribui para a atmosfera do espetáculo?
A música ao vivo traz potência para a cena. Sempre foi de suma importância ter uma banda no palco, e temos uma maravilhosa formada por Rico Farias, Silvia Autuori, Thomas Lenny e Emilia Rodrigues. Apesar de ser um musical, quisemos criar uma atmosfera de show porque isso libera o público para cantar, e todo mundo que vai assistir a um musical sobre o Belchior quer cantar junto as letras maravilhosas. O Belchior tem uma interpretação gigante, e dá vontade de ser gigante como Belchior ao cantá-lo. A atmosfera de show também nos ajuda a mostrar as diferentes fases da vida do Belchior. Temos ele mais velho, quando canta mais sentado, e ele mais novo, quando dançava e dava até pulinhos no vento.
Belchior acontece como fenômeno musical na segunda metade dos anos 1970, compondo canções que inspiraram a juventude da época. Como vocês percebem como esse espetáculo também pode promover reflexões sobre a atualidade política brasileira?
É impossível falar de Belchior e não falar de política. O Belchior era um anarquista por natureza. Ele acreditava principalmente no povo, e que o poder deveria estar com o povo mais que com uma Direita ou uma Esquerda. Ele também acreditava muito na força do novo, como ele diz em “Velha Roupa Colorida”: “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Hoje em dia, ele com certeza estaria falando sobre a realidade que vivemos, abordando a diversidade e questões raciais. Esse foi o principal objetivo de resgatá-lo para os dias atuais.