Crítica – Frevo Labore | Frevo e Corpos em (Re)Existência: uma carta sobre Frevo Labore

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Por Luciano Augusto
Recife, 18 de outubro de 2024
Prezada Marcela Rabelo,
Espero que esta carta a encontre bem. Venho, por meio, desta compartilhar minhas impressões a respeito da videodança Frevo Labore (2009), uma obra que me cativou profundamente e que me fez refletir sobre o diálogo entre arte, cultura popular e o cotidiano das classes trabalhadoras.
Frevo Labore se apresenta como um trabalho de síntese, resultado de um estudo cuidadoso que entrelaça interposições gráficas à dança, tendo o vídeo como suporte expressivo. O conceito, nascido a partir de um projeto final de graduação na Universidade Federal de Pernambuco, já carrega uma densidade significativa ao buscar explorar a relação entre os instrumentos de trabalho das classes populares e sua transformação em movimento cultural, revelado em dança.
A escolha de trazer o frevo como ponto central é particularmente interessante, pois ele é, desde sua criação, um reflexo da resistência e da alegria do povo pernambucano. O frevo carrega a história das ruas, do suor e da vida pulsante dos trabalhadores, e o modo como a obra capta esses elementos através da videodança me pareceu de extrema sensibilidade. É notável como os gestos, normalmente reservados ao ambiente de trabalho, adquirem novos significados ao serem reinterpretados como dança, ampliando o entendimento do espectador sobre o que é dança e quem a dança.
A estética visual, com as interposições gráficas, agrega uma camada de contemporaneidade que dialoga de forma eficaz com a tradição do frevo. Em alguns momentos, essas interposições parecem sobrepor-se aos corpos em movimento, criando uma espécie de fusão entre o mundo físico e o gráfico, o que enriquece a experiência sensorial. Além disso, essa abordagem visual torna a obra acessível a uma variedade maior de públicos, desde aqueles mais ligados ao universo do Design até os apreciadores da dança.
Gostaria de acrescentar uma reflexão crítica sobre o tempo que separa a criação de Frevo Labore e sua recepção nos dias atuais. Produzida em 2009, a videodança nasce de um contexto tecnológico, cultural e social que, embora não tão distante, sofreu transformações significativas nos últimos anos. Este intervalo temporal me leva a questionar de que forma o público contemporâneo se relaciona com a obra e como ela se insere no cenário atual da videodança.
Em termos técnicos, a edição de vídeo e a escolha dos ângulos de câmera se destacam por sua precisão e pelo cuidado em valorizar os movimentos dos dançarinos. A música, elemento crucial para qualquer obra de frevo, está presente de forma equilibrada, guiando o ritmo sem roubar a atenção das outras camadas de expressão. É um trabalho que, explicitamente, foi pensado em múltiplas dimensões: do som à imagem, do gesto ao conceito.
Por fim, gostaria de parabenizá-la pelo seu papel na direção dessa videodança tão significativa. Frevo Labore não apenas homenageia a cultura pernambucana, mas também contribui para o debate sobre as formas como a arte pode ser uma ferramenta de transformação e ressignificação dos elementos cotidianos da vida popular. É uma obra que convida à reflexão e que traz à tona a beleza e a força que emergem das mãos trabalhadoras.
Com admiração,
Luciano Augusto