Crítica – Tempo Menino | Das Partituras da Experiência
Imagens – Tiago Henrique
Iago Josef
Graduando em Licenciatura em Teatro (UFPE)
O grupo Peso Coletivo de teatro, de Arcoverde-PE, apresentou o exercício cênico Tempo Menino no espaço Vila, no último domingo dia 9 de Outubro de 2016, na 1ª Mostra de Teatro Alternativo Outubro ou Nada. Segundo o diretor do espetáculo, André Chaves, não existe uma preocupação em relação a que tipo de teatro se encaixaria esse trabalho. “O trabalho é vivo, tem vida própria, ele se adequa aos espaços, pois não é fechado, não é um trabalho pronto. Ele está como as janelas, todas as vezes que olhamos por elas, coisas novas estão surgindo”, enfatiza o diretor.
Vejo o trabalho do coletivo com outro olhar, mas antes de falar sobre isso é preciso dar uma espiada no menino e seu tempo. O grupo tem uma consciência de memória mais ampla, “um segundo que se passou é memória”, comenta o ator Rogério Xavier. Partindo de um antigo desejo de teatralizar suas lembranças, a pesquisa de quatro anos do ator começa a se tornar matéria, para, na efemeridade do teatro, se tornar lembranças.
Não é preciso muito para que essas lembranças venham e preencham o espaço Vila. O ator, repleto de experiências de vida e artísticas, compartilha com o espectador suas memórias interioranas, outrora, pertencentes só a ele. Não é preciso muito para que o espectador veja diante de si a rede que balançava a criança, as asas, que faziam o interiorano de Pesqueira-PE, acreditar que um dia poderia voar pelo mundo, a cadeira, na qual a filha relata sua vida de submissão à família. Vimos uma casa com portas e janelas, que em momentos eram abertas e fechadas de diversas formas. Não era preciso muito, apenas um ator, uma atriz, uma violinista, uma janela basculante e uma de madeira.
O trabalho que o grupo apresenta é sedimentado de histórias autobiográficas. A partir do momento em que contamos uma história, estamos a ressignificando, pois tentamos capturar na íntegra os fatos. Reconstruímos esses eventos por meio de uma memória que os seleciona, organiza e o associa, podendo isso acontecer intencionalmente ou não. No teatro não é diferente. Para Erika Fischer-Lichte, “quaisquer que sejam os lugares e os momentos nos quais o teatro acontece, ele sempre se caracteriza por uma tensão entre realidade e ficção, entre o real e o fictício” (2013, p.1).
No trabalho do Coletivo Peso, percebe-se que as histórias têm essa característica, elas deixam o espectador curioso em relação à sua veracidade. Histórias como da mulher que fora abandonada pelo circo e do lamento da mulher que, ao voltar para casa com sua lata d´água na cabeça, se depara com o inesperado. Durante a encenação dessas histórias, o ator Rogério Xavier se mostra um ótimo performer. Na cena, fica evidente que houve um cuidado, que houve um trabalho corporal. A construção corporal de imagens pelo ator é outro ponto que vale ressaltar, mas ainda é frágil essa construção pela voz.
Outro ponto, que considero um dos mais fortes, se não o mais, é a dramaturgia sonora. Acredito que se ela não existisse o espetáculo não teria a beleza que têm. A performer Renata Cordeiro é um espetáculo a parte. Ela consegue, por meio do seu corpo ressoante, produzir vocalidades que levam o espectador a ver imagens. Sua voz revela pessoas, lugares e situações: ela é sonoridades. O espetáculo ainda conta com Johsi Guimarães, ela não está apenas como uma violinista, mas como parte que integra a unidade espetáculo. Seus momentos de destaque mostra ao espectador uma performer pela qual a música percorre o seu corpo e preenche a cena. Portanto, são três performers que ganham destaques em momentos diferentes, um não chega a anular o outro, eles se complementam numa unidade incrível.
A unidade também acontece entre os elementos visuais e sonoros, mas considero a dramaturgia um pouco frágil. Por mais confusa que a mente humana possa ser, ela é capaz de fazer encadeamentos lógicos. Acredito que ainda falta uma costura das memórias na dramaturgia, algumas histórias precisam de um toque de claridade para que elas também virem lembranças para o espectador. Por fim, acredito que o teatro que o coletivo está fazendo é um teatro performático que tem como sedimentação a autobiografia, não o consideraria um espetáculo teatral. Isso não anula a qualidade do trabalho do Coletivo Peso, pois é um trabalho que vale a pena assistir, totalmente recomendável.
Referências
LICHTE, Fischer, Érica. Trad. BORJA, Marcus. Realidade e ficção no teatro contemporâneo. Sala Preta, São Paulo, v.13, n.2,p. 14-32. 2013.