“… o público e o privado se fundem para potencializar o fenômeno teatral” – Entrevista – Hazzô
Imagens – Ricardo Maciel e Greyce Braga
Desejos, dores, liberdade, sexo, amor, apego e violência são alguns dos clichês da existência humana de que trata o espetáculo Deixa Ser Eu, escrito e dirigido por Marcelo Oliveira, com Greyce Braga, Wagner Montenegro e o próprio diretor no elenco. A peça, que ganhou destaque no ano passado, reestreia no dia 11.09, na casa Outrora, bairro da Boa Vista. Para debater algumas questões que atravessam o espetáculo, nosso Editor-Chefe, Márcio Andrade, conversou um pouco com o ator Wagner Montenegro, que interpreta Jacinta.
De onde vieram as inspirações para as cenas que vocês desenvolvem em Deixa Ser Eu?
O exercício de olhar para dentro de nós mesmos foi a grande inspiração para construir o espetáculo Deixa Ser Eu. Investigamos nossa trajetória, da infância à vida adulta. As nossas experiências, os medos, os desejos e aflições compuseram a atmosfera dos temas que queríamos abordar e, a partir desse mergulho nas nossas subjetividades, a dramaturgia foi erguida. Deixa Ser Eu nada mais é do que a nossa visão de mundo costurada em oito cenas. O espetáculo foi pensado, desde o princípio, para ser apresentado dentro de uma casa. Ele nasceu na casa de Jorge Clésio, mas já ganhou outros lares em uma temporada em dezembro do ano passado. Nosso maior interesse é trazer o público para a intimidade com o teatro e isso nos exige um processo constante de investigação sobre a interpretação e sobre uma série de questões técnicas que vão da luz, da sonoplastia, da intensidade da voz até a acomodação do público num ambiente que não foi pensado para receber uma plateia.
Deixa Ser Eu veio junto com outros espetáculos de teatro domiciliar acontecendo quase concomitantemente. Como vocês percebem os avanços e/ou retrocessos nas questões políticas envolvendo a gestão dos espaços cênicos da cidade desde esse movimento?
É muito interessante pensar esse “movimento de teatro domiciliar” não apenas como uma questão de falta de teatros na cidade. Obviamente que isso impulsionou os artistas a buscar espaços alternativos para trabalhar, mas, rapidamente, acredito que o desejo dos artistas de investigar novas maneiras de experimentar o teatro se juntou ao caos da gestão dos espaços cênicos do Recife. Apesar do grande número de produções de espetáculos domiciliares, e da pauta sempre reincidente da falta de teatro na cidade, a questão política (no sentido bem estrito do termo) parece não ter sido abalada. Os espaços cênicos oficiais continuam sem receber a devida atenção da gestão pública e ainda esbarramos nos teatros fechados, nas reformas inacabáveis e nas burocracias sem sentido.
Esse movimento de teatro domiciliar não é nem recente e nem exclusivo desse contexto, mas parece reverberar certo interesse pelos espaços de intimidade. Como vocês percebem, nos espetáculos contemporâneos, esse borramento das fronteiras entre público e privado na cena?
Acho mesmo é que a gente vive numa eterna crise entre o público e o privado. Se a gente parar pra pensar, essas fronteiras estão quase sempre borradas nas nossas vidas, seja quando alguém põe a playlist para tocar em alto e bom som nos transportes coletivos, seja quando sentamos em frente à tv para assistirmos aos programas de reality shows… No aspecto da cena, o público e o privado se fundem para potencializar o fenômeno teatral, sobretudo num ambiente doméstico. Vejo muito, nos espetáculos contemporâneos, uma avalanche das histórias pessoais compondo a dramaturgia e encenação, e isso cada vez mais me fascina enquanto artista e enquanto espectador. O espaço da casa é brutalmente íntimo, não estéril e cheio de signos que definem as pessoas que ali residem. Trazer espetáculo e espectador para dentro de casa é convidar pra comungar de uma mesma atmosfera que transita entre o privado, a casa, e o público, o teatro.