Repensar o que nos foi imposto | Entrevista – Inez Viana
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Imagem – Rodrigo Menezes
Em 2024, a Cia OmondÉ comemora 15 anos de trajetória ocupando o Sesc Pompeia com uma programação especial que inclui a estreia de Último Ensaio, dirigido por Inez Viana, além de Nem Mesmo Todo o Oceano e Mata Teu Pai.
A obra inédita Último Ensaio aborda a falta de comunicação e a deterioração moral em uma metrópole futurista, explorando a complexidade das relações humanas em um contexto distópico. O elenco, composto por nove atrizes e atores, está confinado em um ‘bunker teatral’, onde passam por cenas de ensaio que revelam camadas de ficção e realidade.
Em entrevista ao co-editor-chefe da revista Quarta Parede, Márcio Andrade, a dramaturga e diretora Inez Viana compartilha detalhes sobre o processo criativo e a relevância da arte na construção da memória coletiva.
A dramaturgia Último Ensaio é seu quarto texto teatral e o primeiro escrito especialmente para a Cia OmondÉ. A obra apresenta uma forte característica metalinguística, abordando a falta de comunicação e o caos em um futuro distópico. O que te inspirou a criar essa obra e como foi o processo de escrita e direção?
A ideia inicial surgiu da minha montagem final da pós-graduação em Direção Artística, na CAL, em 2019. Eu escrevi e dirigi Peça para 2 atores antes do fim, que é a premissa de Último Ensaio. Sentia que precisávamos falar sobre a naturalização da violência e a falta de empatia com a dor alheia. Ali nascia o embrião para desenvolver a dramaturgia de Último Ensaio para a Cia OmondÉ. Já tinha um ponto de partida e inspirações, como o romance Habitante Irreal, de Paulo Scott, e quis acrescentar pequenos solilóquios para cada atriz e ator, surgidos de improvisações durante os ensaios.
A Cia OmondÉ é conhecida por trabalhar com autores brasileiros, tanto clássicos quanto contemporâneos. Como você percebe que essa escolha influencia a identidade artística da companhia?
Não foi uma escolha planejada; os projetos foram acontecendo pela proximidade com autoras e autores. Por exemplo, o escritor Ariano Suassuna, com quem mantive uma parceria em diversos segmentos – como documentários, aulas-espetáculo, teatro e festivais – por 16 anos, até seu encantamento. Também Jô Bilac, Grace Passô e Alcione Araújo, com quem tivemos parcerias. Durante esses 15 anos, acabamos criando essas conexões, o que deu uma forte identidade brasileira à nossa dramaturgia.
Além de Último Ensaio, a mostra inclui as peças Nem Mesmo Todo o Oceano e Mata Teu Pai. Como essas obras se relacionam com o repertório da OmondÉ e com a comemoração dos 15 anos?
Nem Mesmo Todo o Oceano, que estreamos em 2013 e ainda circula bastante, incrivelmente não havia chegado a São Paulo. Como este ano marca os 60 anos do Golpe Militar de 64, pano de fundo da peça, foi a oportunidade de trazê-la para a mostra. É uma peça em que a História é a grande protagonista: os anos de chumbo. Precisamos sempre relembrá-los, para que nunca voltem a acontecer. Já Mata Teu Pai, escrito por Grace Passô, é uma recriação de Medeia, uma ode ao feminino, um grito contra o patriarcado. Estreamos em 2017 com Debora Lamm, e houve outra versão, uma ópera-balada com Assucena, que também dirigi. Ambas as peças reforçam a ideia de que precisamos repensar o que nos foi imposto e recontar os acontecimentos sob novas perspectivas, o que tem total conexão com Último Ensaio.