#02 Arte Para Tod_s? | E se uma calçada falasse?

Arte – Rodrigo Sarmento
Na continuidade do nosso dossiê Arte Para Tod_s?, o Quarta Parede publica entrevista com Marcelo Pedrosa, que, na condição de pessoa com deficiência auditiva, tornou a acessibilidade uma missão de vida. Analista de Desenvolvimento Urbano (Prefeitura da Cidade do Recife), Mestre em Desenvolvimento Urbano, Consultor em Acessibilidade e Idealizador da Campanha Legenda Nacional, Pedrosa, em conversa com nosso editor-chefe, Márcio Andrade, desdobra as questões que atravessam sua luta.
Como uma pessoa com deficiência auditiva, como foi se perceber nessa condição e tornar a acessibilidade uma missão?
Passei a ser uma pessoa com deficiência auditiva severa, profunda e bilateral, como sequela de uma meningite contraída com um ano e meio de idade. Aprendi que as dificuldades de acesso são inúmeras, no meu caso, o acesso comunicacional, no convívio diário com as pessoas, nas aulas durante todo o percurso acadêmico, no usufruto do lazer e cultura, quando, por exemplo, os filmes, teatros e shows não são legendados.
Como surgiu a ideia da campanha Legenda Nacional e o que vocês vêm conquistando nesse tempo?
O motivo foi porque meus amigos são atores e produtores de filmes pernambucanos e eles me convidavam e eu não podia assistir porque não tinha legenda. Daí surgiu a minha iniciativa de nos manifestarmos no Festival de CINE-PE no ano de 2004. A partir dessa manifestação, a campanha se espalhou pelo Brasil.
Como funciona teu trabalho como consultor em acessibilidade e o que tem percebido nos projetos que tem participado?
Predominantemente, trabalho como arquiteto e urbanista e, por isso, lido com projetos de acessibilidade arquitetônica e urbanística; faço projetos de adequação de acessibilidade; faço vistoria nos locais e elaboro diagnósticos. Pois, geralmente, eles fazem adequações de acessibilidade, mas não conseguem atender a tudo o que está na lei, e existem bastantes leis para serem consultadas, todas que dizem respeito à acessibilidade.
Além disso, há muitas coisas na acessibilidade comunicacional que ainda não está na lei, por exemplo: Extensão magnética (Aro magnético, em espanhol ou Induction Loop em inglês); vídeo porteiro, etc. Muitas vezes, os políticos colocam os projetos de leis, mas terminam arquivando por término do mandato. Finalmente, às vezes, precisa-se ser criativo para conseguir adequá-las a todas as pessoas com suas características antropométricas, por exemplo: a norma da ABNT de acessibilidade exige assentos para pessoas obesas nos teatros, cinemas ou similares, mas esquecem de exigir os assentos para hospitais, faculdades e outros equipamentos urbanos. Por exemplo: a norma brasileira 9050 exige as mesas acessíveis nas escolas, mas não cobra os assentos com mesas acessíveis para pessoas obesas.
Por isso, acho importante, contratar os arquitetos especialistas para essa área, como já existem arquitetos na parte elétrica, arquiteto construtor, paisagistas, etc. Então, quanto mais conhecimento técnico na área, mais atendidas serão as legislações e normas.
Sobre acessibilidade em espaços públicos, a mobilidade é essencial para a frequência nos nossos teatros. A partir da tua formação em Arquitetura e Mestrado em Desenvolvimento Urbano, qual teu diagnóstico das ruas da RMR?
Na minha profissão de arquiteto e urbanista, na maioria das vezes, meu trabalho é voltado para adequações de acessibilidade. Embora eu seja um arquiteto autônomo, também dedico projetos de arquitetura para aprovação de alvarás de prefeituras. No mestrado, escolhi o tema da compatibilização entre acessibilidade ao meio físico e patrimônio cultural.
Trata-se de reflexões entre os valores de conservação integrada – incluindo aí os valores de significância e autenticidade –, sustentabilidade urbana e acessibilidade, que são confrontados com esse tema. Muitas vezes, há pessoas que consideram os espaços tombados para serem valorizados historicamente. Mas se são preservados historicamente, são preservados para quem? Apenas para pessoas sem deficiência? Por isso, existe a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Sendo assim, os funcionários públicos das áreas de patrimônio cultural precisam se aprimorar mais no tema da acessibilidade ao meio físico e precisam também entrar nesse debate.
Escolhi a Arquitetura e o Urbanismo como profissão. Trabalho na Prefeitura da Cidade do Recife como analista de desenvolvimento urbano, dedicando-me à adequação de acessibilidade ao meio físico. As reflexões proporcionadas por essa dissertação trarão benefício para a instituição da qual faço parte e, em consequência, trarão também benefício à população do Recife, cidade em que moro e com a qual tenho afinidades afetivas e intelectuais. Minha experiência poderá ser ampliada para ajudar a outras pessoas com deficiência, a fim de usufruírem dos espaços públicos no centro da Cidade do Recife e em outros lugares que as atraiam.
Quais os avanços e demandas em aberto nas políticas públicas para inserção de pessoas com deficiência?
Ainda há muita luta pela frente! Mas conseguimos ganhar uma ação contra o festival de CINE-PE e hoje em dia esse festival adota legenda, embora ainda não haja o complemento da legenda descritiva. Existe uma Lei Estadual aqui em Pernambuco que conseguimos logo após a mobilização em prol da adoção de legendas ocorridas na frente de cinemas dentro de shoppings aqui no Recife.
Ganhamos uma legislação mais forte, que foi a Normativa nº 128/ 2016 da Agência Nacional de Cinema – ANCINE –, órgão vinculado ao Ministério da Cultura, salientando que em tal normativa existem penalidades, prazos, responsabilidades e recursos necessários a oferecer que são: legendagem de áudio, legendagem descritiva, janela de LIBRAS e audiodescrição. O que ainda falta é o recurso de extensão magnética (Induction loop ou Aro Magnetico), que a ANCINE não mencionou. Só que essa normativa só vai valer a partir de novembro. O que se esquece é do Decreto Federal nº. 5.296 de 2004, que está valendo há 12 anos com prazos expirados.