Crítica – Inutilezas | Inutilezas e o ‘’manoelês’’ ainda por comunicar
Imagens – Wellington Dantas
Por Paulo Castelo Branco
Ator e Graduando em Licenciatura de Teatro (UFPE)
Com muita alegria, devido à paixão pessoal pela poesia de Manoel de Barros, fui a um Teatro de Santa Isabel lotado para prestigiar o espetáculo Inutilezas, inspirado no trabalho do escritor cuiabense falecido em 2014, sob a direção de Moacir Chaves, dentro da programação do 22° Janeiro de Grandes Espetáculos. No elenco, Gabriel Braga Nunes e Bianca Ramoneda, conjuntamente a Pepê Barcellos (músico convidado), se apresentaram ao público como dois atores que recitam os mais belos versos daquele que fez Carlos Drummond de Andrade recusar o título de maior poeta brasileiro vivo.
Manoel de Barros é célebre justamente por conseguir extrair das maiores miudezas naturais de nosso cotidiano uma possível fonte de comunicação, investigando a natureza da linguagem poética e toda sorte de questões existenciais sem resposta. Engana-se quem pensa que seus neologismos e sua forma próxima ao cotidiano ficam na superfície de mera arma lúdica. São as inutilezas [“inutensílios”, tomando por emprestados os conceitos do poeta] que nos aproximam das nossas quintessências, presas na matéria rude que é o corpo, dentro de uma existência efêmera. Dormir, acordar, sonhar, se alimentar, amar; olhar “as coisas que os líquens comem”, o que “a nossa civilização cospe e rejeita”. É isso que serve à poesia. As sutilezas do viver, que, alçadas à consciência, têm a capacidade de atingir as mais belas tessituras da alma. Sem, de forma alguma, desmerecer o trabalho muito caro nascido em 2002, mas, em vez disso, buscando manter com ele uma comunicação, pergunto: estando os dois atores, simplesmente, cada qual em sua poltrona, a materializar em cena os mais belos versos do poeta, não corremos o risco de cair no mero formalismo declamatório? Assim sendo, em vez de nos comunicar com as miudezas, não estaríamos nos afastando delas?
Obviamente que o trabalho não está distante do universo do poeta – a escolha do lugar ‘’Lacuna de gente’’, de onde os atores/personagens falam, é acertada. Um lugar não localizável; metafísico e manoelino, por assim dizer. A comunicação com o público é que precisa ser investigada. Repito: se se quer falar em ‘’manoelês’’ com quem saiu de casa para prestigiar um belo trabalho – que é o caso de Inutilezas – como pesquisar e investigar maneiras que não caiam no lugar comum da recitação? Talvez corpos mais presentes e mais orgânicos do que os da última apresentação. Ou a inclusão de mais ações físicas no recorte das várias poesias de Manoel de Barros – os versos são declamados um atrás do outro, reiteradamente.
De fato, não dialogamos aqui com membros ativos de uma companhia teatral com tempo de estrada e de pesquisa – e isso é mencionável, sim. Comunicamo-nos com pessoas apaixonadas por poesia que decidem contar uma história a outras tantas – o que já é um alento, haja vista todo o carinho com que um competente diretor realiza seu trabalho. De minha opinião, que é apenas recorte subjetivo de um sujeito, acrescento à máxima do poeta inspirador do trabalho (“Repetir, repetir, até ficar diferente”) uma outra, de Ezra Pound: ‘’Repetir para aprender, criar para renovar’’.