“A busca por um teatro ritual é intrínseco à nossa poética” | Entrevista – Grupo Totem
Imagens – Divulgação/Fernando Figueroa
O grupo Totem volta à cena com Retomada, um espetáculo de teatro performático, fruto da pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo”. A cena ritual criada pelo grupo, não representa ou reproduz rituais vividos nas aldeias, destes, o grupo procurou captar a força, a energia metafísica que emana desses rituais e penetra os corpos contemporâneos.
Em entrevista ao nosso editor-chefe, Márcio Andrade, o diretor Fred Nascimento comenta sobre as conexões do espetáculo com o contexto contemporâneo de velocidade de informação e amplamente tecnologizado.
Como é para vocês desenvolver uma pesquisa teatral mais orientada para o ritual, para o ancestral em diálogo com propostas que, muitas vezes, enfatizam tanto o multimídia, o urbano, o tecnológico?
A busca por um teatro ritual é parte de nossa história, é algo intrínseco à nossa poética. Desde seu surgimento, o Totem já caminha por essa trilha, já habita esse território. Parte considerável do trabalho do Totem é resultado da nossa contaminação pelas ideias de Antonin Artaud, há anos nos empenhamos procurar o ‘fogo vital’, o encantamento mágico capaz de proporcionar ao público uma experiência artística impactante e arrebatadora. De criar um espaço-tempo onde os atores-performers se entreguem à cena com o caráter sacrificial capaz de transformar o local onde acontece o ato, em um lugar sagrado. O Totem cria trabalhos híbridos, miscigenados artisticamente, que violam territórios e fronteiras, misturando propositalmente, códigos do teatro e da dança contemporâneos (parentes próximos), das artes visuais, da música instrumental, simultaneamente primitiva e tecnológica, e se assume como infectado pelo vírus da arte performance.
Uma de suas principais características é a ênfase em dinâmicas de movimento, dinâmicas de espaço e ênfase na expressão do corpo ampliando assim, o discurso do corpo. Seu trabalho é de difícil definição, ocupando um território fronteiriço entre o teatro-dança, a dança-teatro, a performance. A preparação de seus performers inclui variadas técnicas das artes cênicas, da performance e do ritual. Vivemos em plena pós-modernidade, somos cidadãos e artistas do hoje, contaminados por novas tecnologias, nossa linguagem é essencialmente polifônica e polissêmica, onde diversas linguagens se entrecruzam, horizontalmente, de maneira dialogal, menos hierárquica. Quanto à busca da ancestralidade é algo que nos move, desde o início, ainda nos anos 80, guiado por um interesse profundo pela metafísica. Em nossos espetáculos performances, em nossas apresentações, procuramos poder criar um espaço-tempo ritualístico, pautado pelo afastamento da representação, do ativar forças e intensidades através do corpo e afetar as pessoas.
De onde partiu a pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo” e como foi o processo de construção do espetáculo Retomada a partir da experiência com as tribos Pankararu, Xucuru e Kapinawá?
A pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo” que gerou a performance “Retomada”, é um aprofundamento da nossa pesquisa anterior realizada em 2012, “A Performance do Humano: da pedra ao caos”, tomou por base estudos antropológicos sobre rituais de passagem, assim como imagens míticas ligadas a mitos e rituais, em consonância com rituais contemporâneos. E um estudo profundo da performance enquanto um ritual contemporâneo, como um dispositivo de revigoramento das potências e abertura de possibilidades.
Como a pesquisa anterior era muito aberta, abrangendo ritos de diversas partes do planeta de diferentes épocas e culturas, decidimos que para a pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo”, o foco seria os alguns rituais de povos indígenas de Pernambuco, pois neles estão muitas de nossas raízes. Nossas experiências com os três povos foram extremamente impactantes, pois ali, nos rituais, estavam reunidos em um só ponto, a dança, a música, a religião, o teatro e a performance. É importante ressaltar a ‘alma coletiva‘ despertada e alimentada pelos rituais. Em cada aldeia, vivemos experiências bem distintas, que serviram de base para nosso trabalho, no qual não reproduzimos os ritos dos povos, mas procuramos através do teatro ritual performático realizar uma experiência estética vivencial. Não esquecendo que “Retomada” fala da luta pela terra, da alma coletiva, e também de retomar o contato com a metafísica, com o imaterial, com a ancestralidade.
Em 2016, o TREMA! Festival tematiza trata da (Re)Construção caldado na nossa crise política e, de certa forma, ideológica. Como essa esfera temática pode ser pensada nos espetáculos de vocês?
Estamos passando por um momento de real turbulência política, que pode ter consequências imprevisíveis, o tema do Trema! Festival de teatro é extremamente conectado com a realidade. Os espetáculos do Trema! Festival colocam em discussão temas que são parte de um grande campo de luta, que envolve o direito de minorias, a educação, os povos originários, o enfrentamento político. E sabemos o quanto todos nós teremos que lutar para reconstruir tantos ganhos sociais, morais, éticos, culturais e políticos que estão sendo demolidos.
Recife não é uma cidade fácil. Nossa postura artística/estética sempre foi de luta, de enfrentamento do status quo, da hegemonia artística, procurando abrir espaço para um teatro do campo do pós-dramático, do performático, e isso é difícil na nossa cidade. Temos um propósito e estamos no nosso caminho. Do ponto de vista ideológico nosso trabalho sempre tocou em assuntos que envolvem a questão do enfrentamento do sujeito contra o sistema (Nem Tente), questões ligadas à mulher (Anima), ao caos urbano (Caosmopolita), a questões ligadas aos povos indígenas (Atravessando o Tempo). O enfrentamento do sistema que aí está e a guerrilha cultural são parte de nosso trabalho, por isso estamos inteiramente alinhados com o Trema! Estamos na luta, juntos.