Crítica – Alguém para fugir comigo | Para onde?
Imagens – Mariá Vilar
Por Gabrielle Suamy
Graduanda de Licenciatura em Teatro (UFPE)
Okay, vamos fugir. Eu aceito sua proposta. Pra fugir hoje, eu levarei meu livro de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen; levarei uma foto 3×4 da minha mãe e outra do meu irmão; levarei meu bambu; um cobertor – eu sou friorenta; levarei linha e tecido para bordar e costurar; um relógio, para não chegar atrasada quando fôssemos nos encontrar; também levarei algumas velas, para sempre termos luz; além, é claro, algum lanchinho caseiro para comermos no caminho.
Mas, eu esqueci de perguntar: para onde iremos? Para onde iremos fugir?
Quando fuga virou sinônimo de liberdade? Justiça é sinônimo de liberdade? Estar livre é o mesmo que estar liberto?
Eu não faço a mínima ideia das respostas para essas perguntas, e a peça sabe tanto quanto eu, e isso é maravilhoso. A peça dialoga muito com nosso momento político atual, onde todos os lados estão cheios de certezas e verdades absolutas – e nesse tipo de momento é bom ter algumas dúvidas.
Tudo bem, voltemos à nossa fuga.
Nós não sabemos aonde iremos, não tem problema, podemos decidir no caminho, mas por que iremos mesmo? Vamos abandonar nossa terra, nossas origens, por quê? Essas são nossas terras e origens?
Há uma negra, seu nome é Liberdade. Presa. Acorrentada. Escrava. Nascida e criada em solo brasileiro. Mas essa é sua terra? Essas são suas origens?
O problema da fuga é que para saber para onde vamos e porque vamos temos que saber antes de qualquer coisa de onde viemos, onde estamos e porque estamos. Isso é um problema, tomar conhecimento dessas coisas pode significar mexer em velhas feridas ainda não cicatrizadas, arrumar e ver o que não é visto em décadas, cutucar a onça com vara curta etc.
O ensaio aberto de um Alguém para fugir comigo vem cheio de perguntas que assolam sua alma por dias, mas ele não traz muitas respostas, nem tenta oferecer algum conforto depois da devastação que deixa na nossas mentes e almas. Não entendam mal, eu não estou reclamando, muito pelo contrário. As coisas estão começando a ficar gastas e velhas, é preciso que alguém chegue fazendo zona, deixando uma bagunça como rastro, obrigando-nos a organizar e repensar tudo que nos cerca.
Mesmo assim, ainda se tem várias coisas a se ajustar na peça, eu particularmente achei o final muito arrastado; concordo com algumas pessoas quando elas dizem que falta à encenação um pouco de sarcasmos, talvez até um pouco de cinismo mesmo, problemas que devem ser resolvidos na sala de ensaio.
Espero apenas que, na próxima vez que for apreciar essa encenação, eu já saiba ao menos para onde iremos fugir.
Gabrielle Suamy
Novembro de 2016.