“O universo trans luta por direitos de espaço…” – Entrevista – As Travestidas
“O universo trans trava diariamente batalhas na necessidade de lutar por direitos de espaço, de ir contra uma sociedade preconceituosa, cheia de paradigmas, que oprime a sua existência…”
Ao tratar de ocupação e resistência, o TREMA! Festival, certamente, reverbera na visibilidade daqueles que se encontram, na maioria das vezes, ignorados e, quando não, rechaçados por um poder que favorece uma (injusta) hegemonia.
Como forma de intervir nesse contexto, o Coletivo As Travestidas investe em uma formação múltipla (com atores, músicos, fotógrafos, videomakers etc.) para tratar de diversidades sexuais, como no espetáculo BR-Trans, que se apresenta nos dias 11 e 12 de abril, durante a programação do festival.
Para conhecer um pouco mais sobre o trabalho, O Quarta Parede realizou uma entrevista com Silvero Pereira, que lidera o coletivo.
Entrevista – Márcio Andrade | Imagens – Divulgação
Qual o principal mote da companhia As Travestidas e o que vocês vêm descobrindo nas pesquisas do grupo?
O Coletivo Artístico As Travestidas é resultante de uma pesquisa iniciada pelo ator e diretor Silvero Pereira, sobre o universo das travestis e transformistas. O primeiro passo desse processo está na construção do solo Uma Flor de Dama, que teve sua estreia em 2002. Em junho de 2008, agregam-se à pesquisa de Silvero outros profissionais e, assim, lançam o projeto Fora de Hora, no Porão do Theatro José de Alencar, com a estreia do Cabaré da Dama, segundo substrato dessa investigação, conjugando shows de transformistas e teatro-festa.
O Cabaré foi concebido com a finalidade de oportunizar um espaço de entretenimento e reflexão por meio de um ritual festivo. E é neste sentido que o espetáculo ganhou a empatia do público, visto que consegue entrelaçar uma forma teatral simples e dinâmica a um conteúdo social, revelando a arte transformista para além de estereótipos e preconceitos.
Em abril de 2010, o coletivo, estreou Engenharia Erótica – Fábrica de Travestis, criado a partir de atividades empíricas (entrevistas, observações e laboratórios) e científicas (livros e artigos), aprofundando, assim, o entendimento do universo Trans. Em 2012, estreia o musical Yes, Nós Temos Bananas e, em 2013, o segundo solo de Silvero, BR-Trans, com direção de Jezebel De Carli. O espetáculo percorreu o Brasil em importantes festivais, tornando-se um dos espetáculos mais elogiados no ano de 2014.
Ao longo de sua trajetória, o trabalho do coletivo As Travestidas foi sendo reconhecido e tornou-se uma voz potente e importante acerca das questões que permeiam o universo Trans. Suas obras romperam fronteiras e preencheram espaços. Hoje e cada vez mais, sentimos, nós, a necessidade de espalhamento dessas experiências, de transversalizar conteúdos e de compartilhar processos e propostas. Continuamos buscando a invenção e a provocação. Assim, materializando ideias, vontades e desejos coletivos, em maio estreiam seu novo espetáculo Quem Tem Medo de Travesti.
O TREMA! Festival, neste ano, apresenta como temática o “OcuparResistir”, que reflete o viver cotidiano na cidade. Como o grupo As Travestidas vêm travando atritos e diálogos com os modos de viver na sua cidade de origem?
As Travestidas tem no teatro um trabalho político-artístico, somos um grupo ligado aos movimentos e as políticas públicas LGBTTTs. Ocupar e Resistir é parte da nossa formação e discurso. O universo trans trava diariamente batalhas na necessidade de lutar por direitos de espaço, de ir contra uma sociedade preconceituosa, cheia de paradigmas, que oprime a sua existência. Assim, o TREMA, neste ano, dialoga diretamente com nossas questões e ao convidar As Travestidas demonstra seu pensamento de que Ocupação e Resistência não está apenas nos espaços físicos, mas também na população discriminada.
O trabalho de vocês dialoga muito com a diversidade sexual, que sempre retorna à pauta de debates diversos… Que conflitos vocês enfrentam por conta desta temática?
Durante um bom tempo, fomos taxados, pela classe artística, de “bixas dando pinta” ou “viados que usam a arte para se assumir”. Entretanto, fomos trilhando nossa pesquisa com muita seriedade e consciência das nossas inquietações, independente da crítica e, assim, nos tornamos um dos grupos de teatro do Ceará de maior visibilidade no Estado e tendo atingido projetos nacionais como grandes festivais, Palco Giratório 2014 (Uma Flor de Dama) e viramos objeto de estudo em faculdades de arte, sociologia, jornalismo e antropologia. Infelizmente, ainda encontramos barreiras no que se refere a patrocinar espetáculos com temáticas de travestis e essa tem sido nossa maior dificuldade na realização de projetos.
Além disso, vocês investem não somente em uma diversidade deste gênero, já que trabalham com artistas de formações diversas. Como estas diversidades reverberam na estética teatral que vocês propõem?
Nosso trabalho começou como um grupo de teatro que só realiza espetáculos sobre o Universo Trans, porém isso atraiu o interesse de outros artistas de diferentes áreas como fotografia, audiovisual, publicidade, música e dança. Desse modo, realizamos vários outros trabalhos nessas linguagens e todas contribuíram para a formação estética dos espetáculos. Assim, hoje nos consideramos um coletivo exatamente pela junção dessas áreas.
Vocês podem conferir alguns trabalhos nas áreas de Fotografia (Translendário (reportagem no programa Mais Você) e no programa Agora é Tarde), Música (Banda Veronica Decide Morrer, Cabaré das Travestidas e Yes, Nós Temos Bananas), Audiovisual (Transophia, Travesti de Deus e GLOSSário – 2ª Lição).
Sobre o BR-Trans, trata de uma questão ainda pouco debatida amplamente – a transexualidade. Como as questões de um corpo deslocado / em transformação vêm se tornando um tema para o coletivo?
BR-Trans é um transito de convergências e divergências entre os pólos regionais Norte e Sul do Brasil sobre histórias de travestis, transexuais e transformistas. O espetáculo foi realizado por meio de uma pesquisa de seis meses entre Ceará e Rio Grande do Sul, além de algumas outras cidades brasileiras, a fim de expor histórias sobre medo, afeto, violência por assassinato e suicídio e a luta por aceitação. Trata-se de um espetáculo comovente e todo baseado em fatos reais, sendo capaz de provocar questionamentos sobre a opressão da sociedade em minorias. Saiba mais sobre o projeto AQUI.