Crítica – Bokeh | A luz invisível que nos atravessa

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Por Emelly Linhares
Bokeh. Este título da videodança da Cia. Etc. (2010) me chamou atenção, gerando curiosidade, mas não me alcançou imediatamente, Apesar de a sinopse descritiva falar sobre, foi, após pesquisar o que significava e entender que Bokeh consiste na área de desfoque da fotografia, que a videodança ganhou novo sentido, me fazendo rever uma segunda vez.
Após ganhar mais um nome para vocabulário pessoal sobre a fotografia, a videodança me levou a notar quanto é vasta a possibilidade nesse meio da experiência artística. Jamais pensei que alguém teria a grande idéia de dançar o desfoque. Esta obra também me chama atenção por me fazer perceber o gosto da Cia. Etc. pelo tema do tempo-espaço, através da experimentação dos pontos de luz na cena. Confesso que ando querendo admirar algo que me leve para mais longe dos assuntos étnico-raciais que estão em alta, e às vezes infelizmente perdem o ponto da mão, em tempos de guerra que colocam pessoas contra pessoas. Tenho escolhido desfocar disso, e esta obra me faz ver que também existe o viés da tecnologia: o som, o espaço, como conteúdo a se dançar.
Para além das minhas pesquisas pessoais, mas, entendendo que aquilo que aprecio passa pelo que me interessa, e reconhecendo essa vontade de querer descobrir o que mais é possível na dança, sigo adiante para assistir ao que mais eles fizeram. Logo na primeira entrada da cena, além dos batuques sutis, o som das taças tibetanas são o que se destaca a meus ouvidos. As pessoas dançam desfocadas, cada uma em um espaço com iluminação natural matutina, salas, quartos, vãos e também no escuro, em que dançam as luzes desfocadas.
Um início inquietante pela imagem de movimento desequilibrante e embaçado, por um lado, e, por outro, reconfortante pelo som. A partir de minha perspectiva, apenas um olhar humano e sua capacidade de ver na luz natural, a cena mostra, para além de pessoas dançando, muitas informações visuais perceptíveis em comparação à imagem da luz: de cor, forma, veste, objetos, etc.
Quem disse que luz tem direção certa pra dançar?
Foi o que pensei ao ver. E, para essa parte, escura e brilhante, do preto vazio que se preenche com luz branca e azul em movimento, curvo e ondulatório, as luzes que dançam os movimentos dos corpos humanos invisíveis na escuridão também me despertaram o questionamento: a quem incomoda o desfoque? Diria que ao ser social, pela necessidade de concentração do humano, algo que lhe é intrínseco, natural ao mesmo tempo em que é cultural. Se isso não existisse, seria como a luz dançando, que simplesmente, com foco ou sem foco, vai continuar dançando e se movendo no espaço.
E, de repente, o corpo vazio do fundo preto ganha um respiro, um ar e um fôlego, a luz que desfocada agora foca. Como é possível ver o destaque das luzes, sem tanta luz ao redor? E perceber que uma foto desfocada é algo tão interessante de se descobrir, e faz ver que é inexistente a barreira do tema do que dançar?!
E, nesses espaços de uma casa, que são suficientes, corpos com roupas brancas, param nos instantes de escuro. Esta videodança é composta por luzes (de led talvez), com instrumentos mesclados, vozes e sons naturais unidos numa trilha sonora, com as câmeras que centralizam a imagem nos corpos naturais e os ampliam nos corpos de luz.
Bokeh nos desperta para o movimento das curvas, para a onda dos feixes de luz, para o impulso, para a escuridão iluminada, para os caminhos do corpo com pequenas luzes desfocadas. Com nenhuma luz, é o comum; com poucas luzes, é algo novo que desperta atenção. Com várias luzes na escuridão juntas, sendo apenas luz em movimento, é quase uma constelação no céu.