“A minha barricada é de ribalta e a minha granada é espelhada” | Entrevista – Primeira Campainha (MG)
Imagens – Divulgação/ Tom Arthuzzi/Rubens Nemitz Jr
O grupo Primeira Campainha (MG) trouxe ao TREMA! Festival 2016 dois espetáculos de seu repertório – Sobre dinossauros, galinhas e dragões e Isso é para dor – que exploram uma diversidade de referências e desafiam o espectador com essa estética quase antropofágica.
Nosso editor-chefe, Márcio Andrade, conversou um pouco com Marina Arthuzzi, atriz que integra a companhia, para saber um pouco mais sobre os processos que envolvem o grupo.
Vocês trazem ao TREMA! Festival dois espetáculos que, aparentemente, têm muitas distinções entre si. Quais os “gatilhos” para o que o que vocês apresentam em cada espetáculo?
Aparentemente, realmente estes dois espetáculos são bem diferentes, mas na essência, eles possuem algumas coisas bem parecidas. Acho que a grande diferença entre os dois está na inclusão do Byron (O’Neill, diretor de Isso é para dor) nessa história. Porque, no Sobre dinossauros, galinhas e dragões, nós três (Marina Viana, Marina Arthuzzi e Mariana Blanco), fizemos tudo: dramaturgia, cenário, figurino. E, a partir do momento em que aparece a figura de Byron, ele assume a dramaturgia e a direção e a gente passa a ter um olhar externo e uma série de fatores que diferenciam os dois espetáculos. O start da criação do Sobre dinossauros… tem muito a ver com uma época em que a gente estava vivendo em Belo Horizonte e que, na verdade, também acontece em outros lugares. A gente não tinha uma ideia muito clara do que estávamos procurando e, quando nos demos conta, percebemos que era muito diferente do que vinha se fazendo há algum tempo na nossa cidade.
E o start do Isso é para dor veio muito do desejo de trabalhar com Byron, ter um olhar de fora de um diretor e um dramaturgo. E os dois processos, na verdade, foram bastante parecidos: nós partimos do ‘zero’, de nenhum texto, mas de várias referências que nós tínhamos. De Google a… Sei lá, acho que hoje em dia, todo mundo só usa o Google, né? (risos) E foram processos longos, muito decantados, com um tempo de maturação muito grande, mas, no final das contas, os discursos vão muito por um mesmo caminho: de questionar a nós mesmos, nosso lugar aqui, hoje e rir um pouco disso – não se levar tão a sério nesse lugar. Acho que o que talvez o mais importante na Primeira Campainha (MG) seja mesmo essa ideia de não se levar a sério. Como diria Tom Zé: “Eu não sei de nada. Eu não sei de nada. Eu não sei de nada”.
Como foi investir nessa ideia de “fanzine” para reunir as referências que vocês propõem em “Sobre dinossauros, galinhas e dragões”?
Na verdade, esse nome que a gente deu para o nosso trabalho tem um pouco a ver também com essa descoberta a posteriori, porque, quando a gente decide fazer uma coisa com certa despretensão, o acaso termina sendo generoso com a gente. E, quando fizemos Sobre dinossauros…, que foi nosso primeiro trabalho, nós entendemos que estávamos indo para o lugar do teatro de revista, mas não tínhamos a Ilza Carla nem a Dercy Gonçalves.
A gente tinha uma revista punk que parecia realmente um fanzine como se fazia na adolescência: recortando revista, colando, xerocando… E até pelos recursos que se tinha, a gente até termina aderindo a esse “faça você mesmo”. Seja o marginal, seja o herói. Do it yourself! E até na estética do espetáculo, tudo termina indo para esse caminho e a gente deu esse nome de teatro fanzine. E termina sendo algo que é somente a gente que faz: se você joga no Google “teatro fanzine”, só aparece a Primeira Campainha. O acaso, então, terminou sendo muito generoso com a gente.
Em 2016, o TREMA! Festival tematiza trata da (Re)Construção caldado na nossa crise política e, de certa forma, ideológica. Como essa esfera temática pode ser pensada nos espetáculos de vocês?
Essa conexão rola demais. Eu acho que não tem como a gente fugir, nesse momento, de um teatro político. E o teatro fanzine que a gente é, sim, de certa forma, bastante político, mas num lugar menos panfletário – sem punho erguido. A gente estava até ontem conversando com Quitéria (Kelly), do Grupo Carmim (RN), sobre como a gente termina colocando, às vezes, algumas referências muito claras e umas críticas muito sérias a esse momento político que estamos vivendo e terminamos usando o teatro como uma arma mesmo. E, para concluir essa ideia, vou usar uma citação de Marina Vianna, que é atriz e dramaturga da Primeira Campainha: “A minha barricada é de ribalta e a minha granada é espelhada”. Então, eu acho que a gente tem essa função mesmo.
E participar do TREMA! Festival também é um ato de resistência para nós: tem mais de um ano em que estamos negociando com Pedro (a gente devia ter participado do TREMA! Festival de 2015), mas exatamente por falta de recursos (por causa do atraso do repasse da verba do Myriam Muniz) que a gente só está conseguindo vir agora. Mas acredito que tudo isso vem a calhar e vai se intensificar. Isso é para dor, inclusive, é um espetáculo em que a gente está defendendo as minorias o tempo inteiro. Até pela temática envolvida, com aquelas figuras que estão enclausuradas, sendo perseguidas. E acredito que isso seja a tendência agora, de fato, nesse país se acontecer tudo que se promete… Nós estamos mais pra fudidos! Mas estamos aqui para resistir, de erguer o punho e fazer o panfleto! Ele vem bem a calhar!