Crítica – A Invenção da Palavra | A invenção da palavra e o jogo de atores em dualidade(s)
Por Paulo Castelo Branco
Ator e Graduando em Licenciatura em Teatro (UFPE)
Um sábado chuvoso e um teatro Capiba timidamente recebendo espectadores foi o cenário primeiro da segunda apresentação de A invenção da palavra, encenação assinada por Moncho Rodriguez e realizada a partir de um intercâmbio em Portugal, cujos integrantes desenvolveram um trabalho poético a partir do texto de um dos dois atores da peça. Claudio Ferrario, que inclusive completa quarenta anos de Teatro, divide a cena com sua filha, Olga Ferrario.
O acontecimento teatral se inicia antes mesmo de os espectadores entrarem na sala de espetáculo propriamente dita. Projeções são postas na parede do hall de entrada. Imagens das mais variadas. Tribos, pessoas, rostos, acontecimentos. Percebi que o público deste dia não dialogou – ao menos aparentemente – com as imagens, muitas vezes não percebendo que o que se passava já era cena. Como efetivar essa comunicação é um ponto a ser investigado.
Dezenove horas e, pontualmente, as portas se abrem ao público – algo louvável numa sociedade onde a pontualidade – e, portanto, o respeito ao tempo do outro – não é levada como prioridade. Na cena, o ator e a atriz interpretam, vividamente, duas figuras inomináveis num lugar também inominável, discutindo para saber de quem seria a real autoria do bem mais precioso da humanidade – a palavra. A peça é aberta a várias interpretações a essa possível autoria e a esse possível lugar, o qual, cenicamente, adquire um belo caráter onírico devido à atmosfera que a luz e a música criam. A dramaturgia pode parecer confusa. Mas é aí onde mora o segredo, que, se visto da superfície das palavras ou sem maturação de pensamento, não é levado em conta. Dualidade. Dualidades. São as contradições que vivemos e que somos, nos atos, nos julgamentos, na comunicação e nas escolhas.
Há quem pense que o assunto das dualidades, contradições e oposições pode parecer batido. Nunca será, já que, todo dia, somos invadidos pela indecisão do pensamento que nunca está completo, pelas pessoas que nunca são suficientes e pelos acontecimentos que estão sempre aquém. Para muito além desse olhar, destaco, em comunicação com a obra, aquele que é talvez o mais tenaz dos elementos da cena: o trabalho dos atores. Vivos em cena e com muita verdade materializam no proposital e aparentemente confuso texto através de corpos e vozes extremamente ativos e dotados de investimento em pesquisa em trabalho diário de ofício de ator. A Invenção da palavra é, antes de tudo, jogo de ator. Satisfação foi ver os dois atores do espetáculo se empenhando em manter vividamente o jogo.
Já diria Sir Laurence Olivier: “O ator deve ser capaz de criar o universo na palma de sua mão”. Materializar mundos através de sua imaginação, ser senhor do ato e dos acontecimentos (re) criados, tornar o verbo carne: todas atribuições de seres que poderiam e teriam capacidade, muito bem, de reivindicar a autoria da palavra.