#04 Bits & Palcos | Do sensível como partilha

Imagem – Aline Mariz | Arte – Rodrigo Sarmento
Nosso dossiê Bits & Palcos continua com os integrantes do projeto artístico Estesia, que, formado pelos músicos Carlos Filho, Miguel Mendes e Tomás Brandão e pelo iluminador Cleison Ramos, possui produção colaborativa e utiliza o dispositivo teatral para interação com público e misturar os elementos sonoros com a tecnologia e experimentalismo.
Na primeira temporada do Estesia, os convidados combinavam debates e performances junto ao grupo, como Sofia Freire (música), Grupo Magiluth (teatro), Dielson Pessoa (dança) e Gabriel Furtado (videomapping), que nos ajudam a pensar as combinações entre arte e tecnologia também como misturas de linguagens artísticas.
Conectando música, cena e tecnologia, o pessoal do Estesia bate papo com nosso editor-chefe, Márcio Andrade, para falar como tecnologias como streaming e smartphones nos ajudam a pensar não somente outros modos de estar no palco e interagir com as obras, mas também de partilhar e de ser e estar no mundo.
Pessoal, primeiro queria saber de vocês como surgiu o Estesia.
Somos quatro integrantes: Carlos Filho, Cleison Ramos, Tomás Brandão e Miguel Mendes. Tomás e Miguel formam o duo PACHKA e já desenvolvem trilhas para teatro há cerca de três anos. O Estesia surgiu no começo do ano passado porque eu, na bandavoou, em uma das faixas, queria trabalhar com música eletrônica, sintetizadores e um processamento maior e eu senti que existia um limite estético a ser explorado. Começamos a trabalhar nesse processo criativo, que era 80% de conversa e uns 20% de ensaio: a gente estava bem interessado na ideia, no conceito…
E esse processo estava tão instigante que eu lancei a proposta de fazer uma apresentação em 30 dias, no Marco Camarotti: juntamos algumas músicas, parceiros e montamos o que iria se chamar Carlos Filho e PACHKA. O principal gancho era que somos músicos, mas não queríamos fazer uma banda: a gente se questionava do que queria como artista, como comunicador, pensando no palco, na performance… O modelo de performance da música produzida aqui ainda é muito pautado pela ótica da indústria fonográfica, que não funciona mais como antes.
Então, começamos a roubar (no bom sentido) coisas do teatro, da dança, do cinema: essa coisa fantástica da construção de uma narrativa e não uma sucessão de músicas tocadas. Em paralelo, sempre trabalhei com Cleison na iluminação de shows e, no processo, percebia que Cleison era tão (ou até mais) artista do que nós, que normalmente estávamos no palco. Sempre tive com ele conversas imensas e criativas sobre os roteiros, os setlists etc., e propus que ele ficasse no palco com a gente. Assim como a gente percebeu que, quando estamos no palco e a luz incide sobre nós, é uma experiência sensorial muito imersiva. A gente começou a perceber que queríamos quebrar isso: criamos uma espécie de cubo cênico onde todos estão sendo afetados pela mesma luz e pelo mesmo som.
Isso ajudou a gente a entender que não temos que executar a obra quando está pronta, mas podemos gerar um ciclo de feedback que funciona como criação e experimento ao mesmo tempo. De uma forma simples, queremos discutir modelos de apresentação, pesquisa e instrumentações para performance no palco, mas também a viabilidade econômica de um projeto dessa natureza. Creio que a gente seja uma plataforma de agregar pessoas que desenvolvem tecnologias (digitais ou não) que interfiram nesse diálogo da performance.
Durante a temporada do Estesia, vocês fizeram apresentações com performers da dança (Dielson Pessoa) e teatro (Magiluth). Como foi o diálogo com esses participantes?
A gente percebeu que precisávamos de uma temporada para aprofundar a criação do espetáculo e a discussão entre palco e tecnologia, porque, às vezes, percebemos que coisas que, aparentemente, eram dadas como resolvidas, para muita gente não era. Depois de participar de eventos no JGE e na Singularity University, resolvemos incluir debates nas apresentações. Convidamos Sofia Feire (música), Grupo Magiluth (teatro), Dielson Pessoa (dança) e Gabriel Furtado (videomapping) e ficamos encubados no Porto Mídia.
No caso do Magiluth, o PACHKA fez a trilha do Dinamarca (leia a crítica AQUI) e pegamos uma cena do espetáculo em que o discurso tinha muito a ver com o Estesia, que explicitava a velhice do ontem e o novo do hoje, que amanhã já é ultrapassado, e fizemos a manipulação das vozes dos atores com a trilha sendo executada/construída ao vivo. Como é um ambiente de muito risco, temos que estar atentos e essa linha tênue é bastante enriquecedora para o espetáculo. No caso de Dielson, sempre falávamos em trabalhar juntos e o PACHKA executou a trilha de O Silencio e o Caos. Então, criamos uma cena para que ele dançasse. Para nós, foi muito bacana porque o perfil de criação do bailarino exige a presença do corpo como instrumento para cena, corpo que é a totalidade do que ele pode oferecer, a sua potência.
Nas apresentações, vocês provocam estímulos com os smartphones do público e usam streaming para transmissão. Na parceria com o Porto Digital, vocês pensam em estudar outros modos de interação?
A gente usa nossos celulares e dos celulares do público quando reproduzimos os áudios de WhatsApp em uma cena específica e também com o Giromin, que foi desenvolvido pelo pessoal do BateBit (leia mais AQUI). Esse dispositivo capta o osciloscópio do aparelho e gera sinais que se convertem para o formato MIDI, permitindo que os movimentos com o celular sejam correspondentes a determinados comandos de som: se eu levanto meu braço, gero um som; se giro o celular, provoco outro som. A gente usou no JGE e criamos uma rede, fazendo com que os celulares das pessoas conectadas gerassem sons que interferissem na construção de uma cena, levando a uma possível discussão da presença do corpo em cena: como fazer de um efeito plástico/visual também auditivo.
Já ouvimos coisas como ‘tecnologia afasta da arte’, mas, quando entendemos que tudo é tecnologia, estamos abertos a experimentá-las. Vivemos em uma era de extrema rapidez do universo tecnológico que interfere nas nossas relações e nossas formas de criação. Nosso interesse é entender tecnologia como forma de proporcionar outras perspectivas de comunicação com as pessoas, pensando na imersão do contato humano em um determinado espaço e tempo que a experiência performática nos propõe.
No caso de estimular essa interação a partir das transmissões feitas via streaming, nas primeiras apresentações, a gente usou um celular que estava sendo passado de mão em mão entre as pessoas, trazendo um pouco do ponto de vista do espectador e até dos músicos, em alguns momentos. Estamos estudando formas de aumentar essa interação, fazendo com que as pessoas toquem conosco de suas próprias casas, a partir de uma rede que se conectaria ao seu smartphone. Nela, você acessaria um teclado com notas musicais e botões com sons de grilo, cadeira, entre outros.
Por unir pessoas da música e iluminação, vocês pensam nas possibilidades expressivas a partir de outras ideias sobre corpo e mente, sem necessariamente a presença física de um intérprete?
Adorei essa pergunta, foi ótima! Às vezes as pessoas querem conversar sobre isso e parece ser um tabu, mas não é de jeito nenhum. Por querermos estudar experiências sensoriais e imersivas, roubamos de algumas linguagens. A presença do corpo na cena pode ser questionada por não ter um movimento mais plástico, ou uma dança, ou algo do gênero. Sentamos com o diretor Quiercles Santana para fazer um trabalho de corpo com a gente, porque, como somos da música, somos muito protegidos pelo instrumento.
Vivemos um processo de três meses e discutimos muito a necessidade de criar outros espaços que, fisicamente, podemos ocupar no palco, sempre pensando em como utilizar esse corpo de maneiras menos convencionais. Tivemos uma grande referência que se chama O Discurso da Dança, de Mariana Trotta, e pensamos o espetáculo a partir de uma experiência sensorial imersiva. A presença de Dielson nos ajudou a pensar como seria esse corpo respondendo aos estímulos de nossa música, da mesma forma como o público podia responder à ausência de corpo, enfatizando somente a união entre o som e a luz.