#07 Cidades e Intercâmbios | De bailarino basco a cidadão do mundo
Imagem – Arquivo Pessoal | Arte – Rodrigo Sarmento
‘Nestes intercâmbios, percebo como a dança é uma linguagem universal e nos permite entender-nos sobre diferentes culturas, prioridades e metodologias’. Com experiência em residências em lugares como França, Brasil e Rússia, o bailarino espanhol Asier Zabaleta inicia nosso dossiê Cidades e Intercâmbios comentando com nosso editor-chefe, Márcio Andrade, sobre como tem sido o processo de receber artistas estrangeiros e realizar projetos criativos em outros países.
Asier Zabaleta estudou Belas Artes, música, teatro e dança em San Sebastian, Bilbao e Zurique, com um trabalho que se caracteriza pelo diálogo entre a dança contemporânea e outras disciplinas artísticas, interagindo texto, personagem, tecnologia e audiovisual. Em 94, iniciou sua carreira como intérprete, participando das companhias mais representativas do País Basco e do Estado espanhol como Arteszena, Adeshoras e Companhia de Vicente Sáez, Q-ro y Cía. De 1999 a 2004, fez parte da companhia Swiss Alias, de Genebra, criando seis obras de teatro de dança e participando de projetos de filmes, exposições e intervenções públicas.
Em 2005, ele criou sua própria companhia, Ertza (que significa ‘borda’ em euskera, idioma comum no País Basco), criando espetáculos como Belaki efektua, Ego e Bihar Jaio Nintzen, além de parcerias criativas que renderam obras como Não me fales de Freddy Kruegger, com a dançarina brasileira Andréa Anhaia, e Next in Line, para a Chelyabinsk Contemporary Dance Theatre, da Rússia.
Asier, queria começar perguntando sobre como começou tua relação com a dança, para quem não te conhece aqui no Brasil.
Desde muito jovem, costumava dançar dança basca tradicional no colégio e, em minha casa, me lembro sempre de quando dançava com meus irmãos as músicas que tocavam no rádio. A dança tradicional está muito presente na maior parte do País Basco e é dançada como uma atividade paralela ou educação física. Quando adolescente, quando nos mudamos com minha família para a capital, comecei a fazer parte de vários grupos de dança tradicionais amadores e, quando tinha 19 anos, assisti a um show de dança contemporânea que abriu um novo mundo para mim. Em menos de uma semana, me inscrevi em uma escola em San Sebastian e, de lá, tudo foi acontecendo em uma velocidade vertiginosa.
Como os intercâmbios de linguagens na tua formação e profissionalização como artista (dança, teatro, música, tecnologias etc.) foram aparecendo como questões de interesse nas tuas pesquisas artísticas?
Sempre me interessei pela arte nas suas formas mais amplas. Na verdade, deixei meus estudos de Belas Artes na universidade para me dedicar 100% a dançar. Depois de trabalhar em várias empresas, pouco a pouco, eu estava fazendo meus primeiros trabalhos e algumas colaborações com artistas de outros campos começaram naturalmente a emergir. Uma das premissas do meu trabalho sempre foi de que a ideia ou o próprio conceito terminam decidindo a forma como será apresentada – e não o contrário.
Sobre trocas com outras localidades, você realizou residências em países como França, Brasil, Rússia e em outras cidades da própria Espanha. Primeiro, conta como foram os processos para fazer essas residências. Quais foram as principais diferenças entre fazer intercâmbios no teu país e em outros?
As residências em outros lugares se materializaram de maneiras muito diferentes. Em algumas, foram simplesmente salas onde trabalhei de forma solitária ou com meu próprio grupo em projetos que nasciam da minha própria vontade. Normalmente, essas residências ocorreram na Espanha ou não muito longe de casa. Por outro lado, as residências em países estrangeiros foram, geralmente, com pessoas que eu não conhecia anteriormente. Portanto, embora os primeiros dias de adaptação sejam geralmente difíceis, os intercâmbios acontecem de forma muito mais intensa e eu, pessoalmente, contribuo muito mais, pois cada um deles é um desafio completamente diferente. Nestes intercâmbios, percebo como a dança é uma linguagem universal e nos permite entender-nos sobre diferentes culturas, prioridades e metodologias.
Além disso, você também costuma receber artistas-pesquisadores na tua companhia para acompanhar processos de criação. Como é estar nesse outro lado do diálogo? Como têm sido as experiências?
Normalmente, as residências que recebo são mais de formação ao invés de criação. Ou seja, convido jovens criadores a experimentar, em primeira mão, o trabalho diário na minha companhia, participando como uma pessoa a mais nos processos de criação, aulas, etc. É verdade que, às vezes, esses criadores aproveitam a sua estadia com a gente para criar seus próprios projetos e, nesse caso, também tentarei criar um diálogo com eles que servirá de guia no seu processo. Foi o que aconteceu no ano passado com Thiago Cohen, bailarino brasileiro, durante sua estadia conosco. Thiago, além de trabalhar no processo de criação de nosso último projeto como dançarino, começou a criar um novo solo em San Sebastian que, mais tarde, amadureceu em seu retorno ao Brasil.
A partir dessas trocas, o que tu tens percebido de diferença entre os contextos de produção, formação e pesquisa nas áreas de dança em outros países? Quais semelhanças e diferenças entre o fazer e o sobreviver de arte na Espanha e no Brasil, por exemplo?
Sim, acho que é um erro generalizado na maioria dos países do mundo. Lembro-me que, quando trabalhava em Alias (a companhia em que passei cinco anos na Suíça), nas audições que fizemos, constatamos com muita tristeza que as pessoas mais preparadas para trabalhar eram, frequentemente, aquelas com menos treinamento acadêmico. Muitas pessoas que passaram grande parte de sua vida treinando nas melhores escolas, tiveram muito poucos recursos em campos como improvisação, criação de cenas, etc. Muitos desses profissionais terminam ensinando e acabam reproduzindo velhos modelos de educação. E eu acho que isso é um erro nos objetivos e diretrizes das escolas, que, em vez de formar profissionais, se concentram na formação de professores. Eu mesmo, quando decidi me dedicar a dançar bastante tarde, tive que tomar a decisão de trabalhar ou fazer uma escola. Eu decidi trabalhar e, felizmente, raramente perdi trabalhos. Agora, estou ciente de que a melhor escola é a experiência em diferentes empresas e não me arrependo da minha decisão.