Crítica – Estudo nº 1: Morte e Vida | Aforismos maquínicos
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Imagem – Vítor Pessoa | #ADnoTextoAlternativo #4ParedeParaTodes
Por Bruno Siqueira
Pesquisador e Professor de Teatro (UFPE)
“A vida é curta e a arte é longa. A oportunidade é fugaz, a experiência é enganosa e o julgamento é difícil.”
(Hipócrates)
Que estrutura encerra a máquina de imagens no mais novo espetáculo do grupo Magiluth? Quais são as imagens produzidas por essa máquina? Que impacto elas parecem exercer sobre o público ávido por imagens? Por que Morte e Vida Severina?
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A leitura, que vem depois, persegue o que está antes. Essa anterioridade tem a ver não com as intenções dos artistas aqui envolvidos, mas com a da máquina. Falar das intenções dessa máquina é assumir as limitações da leitura, que sempre vai deixar escapar os devires. A leitura capta e procura decompor a cena em elementos, mas também procura compreender a técnica de articulação desses elementos. Admitamos: toda leitura está empenhada em alcançar um significado. Resta saber o que se está chamando de significado. Neste caso, o que estou chamando de significado não é o que vem depois, mas o que se inscreve no próprio fluxo de imagens que essa máquina faz jorrar.
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A máquina Estudo nº1: Morte e Vida produz imagens visuais e acústicas em profusão. A cena desencarnada. Mesa de som. Microfones. Telão. Fotografias. Luz. Verde. Âmbar. Distorções sonoras. Projeções. Capibaribe. Google. Nordestinos. Cangaço rosa. Youtube. Jeans. Toritama. Michael Jackson. Maracatu Rural. Semiárido. Canavial. Caboclo de lança. Devotos do Ódio. Refugiados. Dinamarca. Morte e Vida: Severina. Chico Buarque. Podcast. Migrações. Palestra-performance. Rappi. Uber. Quirabati. Crimes ambientais. O ano que sonhamos perigosamente. Hiperlinks. Viúva, porém honesta. Aquilo que meu olhar guardou para você. 1 Torto. Vozes em off. Capitalismo. Astronauta………………… Giordano Castro. Mario Sergio Cabral. Bruno Parmera. Erivaldo Oliveira. Lucas Torres. Magiluth.
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As imagens em fluxo, justapostas, secas, úmidas, metafóricas, vão compondo uma partitura rítmica. Dir-se-ia: musical. Aliás, a música, enquanto movimento, parece ser o princípio estruturador da cena. É uma cena dodecafônica. O contemporâneo (What the fuck?) aqui parece chegar mais como uma nova vestimenta do moderno. Daquela modernidade perseguida por um Meyerhold no seu afã de uma cena-música. Também daquela modernidade experimentada por um João Cabral de Melo Neto, não o da Morte e Vida Severina, mas o da Educação Pela Pedra.
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Temos aqui alguns elementos que nos permitem tentar compreender como o Magiluth catalisa a atenção de um público em sua maioria não teatral, (considerando-se, pelo menos, o contexto recifense, de onde provém o grupo). Um público jovem, de classe média, universitário, majoritariamente branco, mergulhado na e constituído pela sociedade do espetáculo high tech, midiática, pop. A linguagem do videoclipe, aliada à música, ao ritmo pop e a uma fala espontânea, de jovem para jovem, talvez revele a dimensão contemporânea dos trabalhos do Magiluth e explique o seu sucesso como fenômeno local. E isso não é pouca coisa. Todo o mérito ao grupo.
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A partitura que ocupa o tempo-espaço do espetáculo trabalha com movimentos que fogem da linha (a tal da “linearidade caduca”), desenhando curvas. Não espiralares, como podem parecer; mas circulares. A espiral evoca a evolução de uma força. Simboliza o desenvolvimento, a continuidade cíclica, mas em mudança. Rotação criacional. O movimento circular, por sua vez, é imutável, sem começo e sem fim, nem variações. A cena está em constante movimento curvilíneo. Mas, ao contrário do que ocorre com a espiral, esse movimento converge para um centro.
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Lembremos: todos os pontos da circunferência se reencontram no seu centro, que é seu princípio e seu fim. Todas as imagens-pontos da cena convergem, num movimento centrípeto, para o único centro: o Magiluth. Nessa máquina infatigável, as imagens saem em movimentos helicoidais, desenhando no quadrado do palco uma circunferência cujo ponto central é o próprio grupo. É possível que aí esteja a matriz autoral do Magiluth. A metalinguagem, tão recorrente em seus trabalhos, desvela uma cena em constante processo de elaboração, colocando-a como estudo. No final do corredor, o que ali encontramos, em destaque, é o próprio grupo Magiluth. Sua trajetória. Suas conquistas. A reafirmação de uma linguagem cênica já experimentada e já consagrada em meio a seu público.
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Temas abordados neste estudo – Morte e Vida Severina. Migrações. Geopolíticas. Capitalismo. Precarização do trabalho. Temas urgentes. Temos urgência. Sim, a realidade é fragmentada, temos diante de nós máquinas de guerra (ah Gilles… ah Félix…), máquinas de imagens blá blá blá. Mas não seria este o momento para recuperarmos, ao menos que seja, o fio da fábula? Mesmo assumindo-se artifício, não teria sido a fábula mais eficaz para um aprofundamento das discussões anunciadas, todavia abandonadas? Terminou que o efeito sobre os sentidos – a experiência estética – se sobrepôs ao investimento sobre o debate político. Choices?
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Post Scriptum – Só queria registrar que essas breves reflexões tiveram o dedo, também, de João Alexandre Barbosa, de Jean Chevalier e de Alain Gheerbrant.